13.04.2013 Views

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

Não foi <strong>um</strong> Verão como os outros. Desta vez, os media não se concentraram n<strong>um</strong>a nova doença<br />

ou em <strong>de</strong>senvolvimentos em torno a <strong>um</strong>a já <strong>de</strong>tectada. Como se tiv<strong>é</strong>ssemos regressado à<br />

viragem do s<strong>é</strong>culo, a preocupação foi com <strong>um</strong>a “doença social”. Dá pelo nome <strong>de</strong> pedofilia e<br />

gerou <strong>um</strong>a s<strong>é</strong>rie <strong>de</strong> confusões. Para <strong>de</strong>scanso das almas (justamente) susceptíveis, <strong>de</strong>vo dizer<br />

que não compreendo as pessoas que são atraídas eroticamente por crianças. Isto <strong>é</strong>, como não<br />

sinto o mesmo, não tenho empatia. Al<strong>é</strong>m disso, acho que a concretização <strong>de</strong>ssa atracção <strong>é</strong> errada<br />

e <strong>de</strong>ve, em princípio, ser punida.<br />

Isto não impe<strong>de</strong> que o barulho em torno da pedofilia tenha gerado problemas que vão para lá<br />

<strong>de</strong>la. Duas questões se colocam à partida. Em primeiro lugar, os casos jornalísticos foram muito<br />

específicos: o assassinato das crianças na B<strong>é</strong>lgica, ligado a <strong>um</strong>a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> exploração sexual <strong>de</strong><br />

menores; e, em segundo lugar, o congresso <strong>de</strong> Estocolmo sobre a exploração sexual comercial<br />

<strong>de</strong> crianças. Repare-se que não se trata <strong>de</strong> pedofilia em geral, trata-se do com<strong>é</strong>rcio sexual, tratase<br />

<strong>de</strong> crianças (não <strong>de</strong> adolescentes ou menores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>), trata-se <strong>de</strong> assassinato. Tanto podia<br />

estar no banco dos r<strong>é</strong>us a pedofilia como o com<strong>é</strong>rcio sexual e o homicídio em geral.<br />

No parágrafo inicial usei <strong>de</strong> propósito <strong>um</strong> certo tipo <strong>de</strong> linguagem. Falei em “atracção erótica<br />

por crianças” e em “punição dos actos”. A chave <strong>é</strong> a distinção entre crianças e não-crianças, e<br />

entre fantasia e acto. Quanto à primeira, não interessa enveredar pelas explicações freudianas<br />

sobre a sexualida<strong>de</strong> infantil. A questão não <strong>é</strong> essa; a questão <strong>é</strong>, sim, a do mútuo consentimento,<br />

da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha, que nós cremos não ser possível nas crianças. Mesmo que isso possa<br />

vir a mudar (como já mudou bastas vezes na História a percepção do que <strong>é</strong> <strong>um</strong>a criança), acho<br />

que a nossa crença <strong>é</strong> boa, civilizadora e faz sentido. O problema surge quando esten<strong>de</strong>mos o<br />

conceito <strong>de</strong> criança para o <strong>de</strong> menorida<strong>de</strong>. Há ou não pessoas <strong>de</strong> treze, catorze ou quinze anos<br />

capazes <strong>de</strong> consentirem pela positiva?<br />

A distinção entre fantasia e acto coloca <strong>um</strong>a questão ainda mais subtil. Por muito abomináveis<br />

que sejam certos actos (como os que vieram à baila este Verão), temos <strong>de</strong> evitar que se crie a<br />

categoria do “pedófilo” como <strong>um</strong> tipo específico <strong>de</strong> pessoa, <strong>um</strong>a sub-esp<strong>é</strong>cie, porque a sua<br />

<strong>de</strong>finição estaria sempre contaminada pela barbarida<strong>de</strong> dos actos extremos. Que faríamos então<br />

com o caso <strong>de</strong>, por exemplo, <strong>um</strong>a mulher <strong>de</strong> trinta anos e <strong>um</strong> rapaz <strong>de</strong> quinze sinceramente<br />

apaixonados?<br />

Mas as confusões lançadas pela mediatização daqueles casos não se ficam por aqui. A mais<br />

intrigante foi o tratamento displicente que o semanário “Já” <strong>de</strong>u ao tema, aliás anunciado <strong>de</strong><br />

forma sensacionalista na capa. Nos artigos perpassa a confusão que coloca no mesmo saco<br />

comportamentos e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s que nada <strong>de</strong> com<strong>um</strong> têm entre si. Por exemplo,<br />

homossexualida<strong>de</strong> e pedofilia. O saco on<strong>de</strong> tudo vai parar – acredito que sem querer – <strong>é</strong> o da<br />

perversão. Como no princípio do s<strong>é</strong>culo, pedófilos, homossexuais, sado-masoquistas, etc.,<br />

parecem ser termos intercambiáveis. Não <strong>é</strong> por acaso que a palavra preferida pelos franceses<br />

para <strong>de</strong>signar homossexual <strong>é</strong> “pe<strong>de</strong>rasta” – <strong>um</strong> erro t<strong>é</strong>cnico e <strong>um</strong>a armadilha i<strong>de</strong>ológica, já que<br />

pe<strong>de</strong>rasta <strong>de</strong>veria significar “o que gosta <strong>de</strong> crianças”.<br />

Estarei eu a propor que se aceite a pedofilia – ou a sugerir que <strong>um</strong> dia ela será aceite – do<br />

mesmo modo que a homossexualida<strong>de</strong> o foi (se <strong>é</strong> que foi…)? De modo alg<strong>um</strong>. As coisas não<br />

são comparáveis: há pedófilos homo e heterossexuais. O caso belga, aliás, foi <strong>um</strong> caso<br />

heterossexual, mas para esse facto ningu<strong>é</strong>m chamou a atenção, como se o adjectivo não tivesse<br />

significado. Se se tivesse tratado <strong>de</strong> <strong>um</strong> caso homossexual, este adjectivo teria ganho foros <strong>de</strong><br />

quase explicação.<br />

A responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem tem <strong>um</strong> “po<strong>de</strong>r” (o do conhecimento do adulto versus a relativa<br />

ignorância da criança), e o princípio do consentimento mútuo, são os nossos únicos guias<br />

morais para abordar a “questão da pedofilia”, e <strong>de</strong>vem ser os fundamentos da lei aplicável ao<br />

assunto. Para tal, não precisamos <strong>de</strong> criar, <strong>de</strong>finir, <strong>de</strong>limitar a “sub-esp<strong>é</strong>cie do pedófilo”, muito<br />

menos <strong>de</strong> confundi-la com outras categorias do <strong>de</strong>sejo ou da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. E muito menos entrar<br />

39

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!