Bem-vind@! Este é um “livro” - Miguel Vale de Almeida
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Não foi <strong>um</strong> Verão como os outros. Desta vez, os media não se concentraram n<strong>um</strong>a nova doença<br />
ou em <strong>de</strong>senvolvimentos em torno a <strong>um</strong>a já <strong>de</strong>tectada. Como se tiv<strong>é</strong>ssemos regressado à<br />
viragem do s<strong>é</strong>culo, a preocupação foi com <strong>um</strong>a “doença social”. Dá pelo nome <strong>de</strong> pedofilia e<br />
gerou <strong>um</strong>a s<strong>é</strong>rie <strong>de</strong> confusões. Para <strong>de</strong>scanso das almas (justamente) susceptíveis, <strong>de</strong>vo dizer<br />
que não compreendo as pessoas que são atraídas eroticamente por crianças. Isto <strong>é</strong>, como não<br />
sinto o mesmo, não tenho empatia. Al<strong>é</strong>m disso, acho que a concretização <strong>de</strong>ssa atracção <strong>é</strong> errada<br />
e <strong>de</strong>ve, em princípio, ser punida.<br />
Isto não impe<strong>de</strong> que o barulho em torno da pedofilia tenha gerado problemas que vão para lá<br />
<strong>de</strong>la. Duas questões se colocam à partida. Em primeiro lugar, os casos jornalísticos foram muito<br />
específicos: o assassinato das crianças na B<strong>é</strong>lgica, ligado a <strong>um</strong>a re<strong>de</strong> <strong>de</strong> exploração sexual <strong>de</strong><br />
menores; e, em segundo lugar, o congresso <strong>de</strong> Estocolmo sobre a exploração sexual comercial<br />
<strong>de</strong> crianças. Repare-se que não se trata <strong>de</strong> pedofilia em geral, trata-se do com<strong>é</strong>rcio sexual, tratase<br />
<strong>de</strong> crianças (não <strong>de</strong> adolescentes ou menores <strong>de</strong> ida<strong>de</strong>), trata-se <strong>de</strong> assassinato. Tanto podia<br />
estar no banco dos r<strong>é</strong>us a pedofilia como o com<strong>é</strong>rcio sexual e o homicídio em geral.<br />
No parágrafo inicial usei <strong>de</strong> propósito <strong>um</strong> certo tipo <strong>de</strong> linguagem. Falei em “atracção erótica<br />
por crianças” e em “punição dos actos”. A chave <strong>é</strong> a distinção entre crianças e não-crianças, e<br />
entre fantasia e acto. Quanto à primeira, não interessa enveredar pelas explicações freudianas<br />
sobre a sexualida<strong>de</strong> infantil. A questão não <strong>é</strong> essa; a questão <strong>é</strong>, sim, a do mútuo consentimento,<br />
da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> escolha, que nós cremos não ser possível nas crianças. Mesmo que isso possa<br />
vir a mudar (como já mudou bastas vezes na História a percepção do que <strong>é</strong> <strong>um</strong>a criança), acho<br />
que a nossa crença <strong>é</strong> boa, civilizadora e faz sentido. O problema surge quando esten<strong>de</strong>mos o<br />
conceito <strong>de</strong> criança para o <strong>de</strong> menorida<strong>de</strong>. Há ou não pessoas <strong>de</strong> treze, catorze ou quinze anos<br />
capazes <strong>de</strong> consentirem pela positiva?<br />
A distinção entre fantasia e acto coloca <strong>um</strong>a questão ainda mais subtil. Por muito abomináveis<br />
que sejam certos actos (como os que vieram à baila este Verão), temos <strong>de</strong> evitar que se crie a<br />
categoria do “pedófilo” como <strong>um</strong> tipo específico <strong>de</strong> pessoa, <strong>um</strong>a sub-esp<strong>é</strong>cie, porque a sua<br />
<strong>de</strong>finição estaria sempre contaminada pela barbarida<strong>de</strong> dos actos extremos. Que faríamos então<br />
com o caso <strong>de</strong>, por exemplo, <strong>um</strong>a mulher <strong>de</strong> trinta anos e <strong>um</strong> rapaz <strong>de</strong> quinze sinceramente<br />
apaixonados?<br />
Mas as confusões lançadas pela mediatização daqueles casos não se ficam por aqui. A mais<br />
intrigante foi o tratamento displicente que o semanário “Já” <strong>de</strong>u ao tema, aliás anunciado <strong>de</strong><br />
forma sensacionalista na capa. Nos artigos perpassa a confusão que coloca no mesmo saco<br />
comportamentos e i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>s que nada <strong>de</strong> com<strong>um</strong> têm entre si. Por exemplo,<br />
homossexualida<strong>de</strong> e pedofilia. O saco on<strong>de</strong> tudo vai parar – acredito que sem querer – <strong>é</strong> o da<br />
perversão. Como no princípio do s<strong>é</strong>culo, pedófilos, homossexuais, sado-masoquistas, etc.,<br />
parecem ser termos intercambiáveis. Não <strong>é</strong> por acaso que a palavra preferida pelos franceses<br />
para <strong>de</strong>signar homossexual <strong>é</strong> “pe<strong>de</strong>rasta” – <strong>um</strong> erro t<strong>é</strong>cnico e <strong>um</strong>a armadilha i<strong>de</strong>ológica, já que<br />
pe<strong>de</strong>rasta <strong>de</strong>veria significar “o que gosta <strong>de</strong> crianças”.<br />
Estarei eu a propor que se aceite a pedofilia – ou a sugerir que <strong>um</strong> dia ela será aceite – do<br />
mesmo modo que a homossexualida<strong>de</strong> o foi (se <strong>é</strong> que foi…)? De modo alg<strong>um</strong>. As coisas não<br />
são comparáveis: há pedófilos homo e heterossexuais. O caso belga, aliás, foi <strong>um</strong> caso<br />
heterossexual, mas para esse facto ningu<strong>é</strong>m chamou a atenção, como se o adjectivo não tivesse<br />
significado. Se se tivesse tratado <strong>de</strong> <strong>um</strong> caso homossexual, este adjectivo teria ganho foros <strong>de</strong><br />
quase explicação.<br />
A responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> quem tem <strong>um</strong> “po<strong>de</strong>r” (o do conhecimento do adulto versus a relativa<br />
ignorância da criança), e o princípio do consentimento mútuo, são os nossos únicos guias<br />
morais para abordar a “questão da pedofilia”, e <strong>de</strong>vem ser os fundamentos da lei aplicável ao<br />
assunto. Para tal, não precisamos <strong>de</strong> criar, <strong>de</strong>finir, <strong>de</strong>limitar a “sub-esp<strong>é</strong>cie do pedófilo”, muito<br />
menos <strong>de</strong> confundi-la com outras categorias do <strong>de</strong>sejo ou da i<strong>de</strong>ntida<strong>de</strong>. E muito menos entrar<br />
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