Revista (PDF) - Universidade do Minho
Revista (PDF) - Universidade do Minho
Revista (PDF) - Universidade do Minho
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
170<br />
DIACRÍTICA<br />
e sem parar desaguará no mar independentemente <strong>do</strong>s estorvos <strong>do</strong><br />
caminho.<br />
Nesta imparável dialéctica em que se move a humanidade, constitui<br />
matéria estruturante <strong>do</strong>s pólos em confronto, a tirania e a liberdade,<br />
independentemente <strong>do</strong>s nomes ou especificações que tal dualidade<br />
vai adquirin<strong>do</strong> no discurso: luz/trevas, igualdade/privilégios, civilização/barbárie,<br />
legitimidade/usurpação… 99 ; quanto aos protagonistas<br />
e beneficiários da vitória final, é incontornável, como já referimos, que<br />
seja o povo, na nação, ou os povos, na comunidade das nações. Entretanto,<br />
a natureza <strong>do</strong> próprio movimento, e a inconstância das leis 100<br />
decorrente da complexidade das sociedades modernas 101 , permitem<br />
variações de ritmos evolutivos em função de acelera<strong>do</strong>res (reformas,<br />
desenvolvimento das ciências e artes, educação, imprensa livre etc.),<br />
ou obstáculos (gabinetes áulicos, exércitos permanentes, espionagem,<br />
censura, polícia, inacção) 102 . Eis a responsabilidade que Garrett acomete<br />
à sua classe, a burguesia, nas suas diversas roupagens, nomeadamente<br />
a da intelectualidade: potenciar acelera<strong>do</strong>res e inibir obstáculos,<br />
crian<strong>do</strong> e organizan<strong>do</strong> condições e orientan<strong>do</strong> o povo para<br />
que «bem peleje, bem vença, e bem saiba usar da vitória». Garrett,<br />
como sabemos, não cumpriria apenas, e esmeradamente o fez, este<br />
imperativo. Desenvolveria frequentes acções pedagógicas junto <strong>do</strong>s<br />
seus correligionários para que eles o cumprissem. As circunstâncias de<br />
Deputa<strong>do</strong> e Par <strong>do</strong> Reino representam momentos muito vivos dessa<br />
pedagogia. Por isso, sentia-se à vontade para não olvidar sequer a<br />
sanção para me<strong>do</strong>s, desmazelos, acções perversas, omissões. Afinal<br />
a História ensina que o povo se vinga sempre de quem o despreza, o<br />
engana, o oprime, responsabilidade compartilhada por opressores<br />
directos ou seus adjuvantes 103 .<br />
Esta responsabilização da burguesia na organização e orientação<br />
<strong>do</strong> povo, tem momento especial, nesta obra. A análise situa-se no que<br />
——————————<br />
99 Veja-se, por exemplo, Da Europa e da América, pp. 78/79.<br />
100 O Cronista, n.º 9 (29 ab-5 Maio 1827).<br />
101 «O filósofo que observa a marcha progressiva da civilização, não pode deixar<br />
de notar a grande diferença que existe entre o dia de hoje e alguns anos ainda pouco<br />
afasta<strong>do</strong>s. O mun<strong>do</strong> moral estava num esta<strong>do</strong> de repouso, e não entravam nos cálculos<br />
políticos mais parcelas que os interesses <strong>do</strong>s reis os quais se disputavam com as<br />
armas…» (O Cronista n.º 12, 20-26 Maio, 1827).<br />
102 PBE, p. 39.<br />
103 Vejam-se os duros discursos que neste âmbito desenvolveu como deputa<strong>do</strong> em<br />
sessão de 9 de Outubro de 1837, ou na de 1841 da discussão da Lei da Décima (GARRETT,<br />
Obras Copmpletas, Porto, Lello e Irmão, Eds, 1966, vol. I: 1261 e segs e 1310 e segs.