Revista (PDF) - Universidade do Minho
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FILOSOFIA DA EUROPA: QUESTÕES SOBRE A EUROPA 43<br />
nância com a visão optimista e progressista de que to<strong>do</strong>s viverão<br />
fraternalmente; taI como os homens das Luzes, que ele enaltece, Victor<br />
Hugo deposita uma poderosa fé no Homem, reafirman<strong>do</strong> a certeza de<br />
que triunfará sobre todas as formas de opressão e de fatalidade.<br />
De certo mo<strong>do</strong>, pode afirmar-se que o poeta atribui maior importância<br />
às questões sociais e humanas que às controvérsias políticas; quan<strong>do</strong><br />
destas últimas se trata, ele pensa-as não como político, mas como<br />
poeta sensível e interessa<strong>do</strong> em resolver os problemas morais e materiais<br />
que atormentam a colectividade e os indivíduos.<br />
A sua concepção de «social» é próxima dalguns pensa<strong>do</strong>res <strong>do</strong><br />
século XVIII, especialmente de Rousseau 85 ; tal como os seus predecessores,<br />
Victor Hugo empenha-se em realizar a felicidade <strong>do</strong>s humanos,<br />
mas proceden<strong>do</strong> de outro mo<strong>do</strong>: no século filosófico, acreditava-se que<br />
os problemas morais que entravavam a felicidade eram devi<strong>do</strong>s à má<br />
organização da sociedade: estava-se convenci<strong>do</strong> que a felicidade apenas<br />
seria realizável se a sociedade estivesse organizada logicamente.<br />
Estes pensa<strong>do</strong>res, Rousseau à parte, preferiam dirigir-se muito menos<br />
ao coração que à razão; ora, os românticos julgam que esta é incapaz,<br />
só por si, de realizar a felicidade social e que importa aí juntar nobres<br />
sentimentos <strong>do</strong> coração, entre os quais, a piedade, a caridade e sobretu<strong>do</strong><br />
o amor ao próximo. Hugo busca mostrar como a consciência<br />
pode ser aplicada nos <strong>do</strong>mínios da vida social e moral, conferin<strong>do</strong>-lhe,<br />
em especial em Les Misérables, a mais deslumbrante forma literária 86 ;<br />
o sentimento como guia <strong>do</strong> homem – ideia abstracta no autor <strong>do</strong><br />
Emílio –, expressa-se em Hugo pela criação de personagens vivas que<br />
transporta em si mesmas e o traduzem em actos.<br />
Seria vão querer restituir uma unidade ao pensamento filosófico<br />
de Victor Hugo, tão pluriforme foi no decurso da sua vida; não se<br />
poderia constituir num corpo <strong>do</strong>utrinas e crenças opostas e contraditórias:<br />
o crente orto<strong>do</strong>xo e católico de 1822 só manifesta alguns pontos<br />
de contacto, aliás fugidios, com o metafísico de Bouche d’ombre; sucessivamente<br />
deísta, céptico, depois panteísta, o filósofo nunca deixou de<br />
evoluir em Victor Hugo 87 ; por outro la<strong>do</strong>, quaisquer que tenham si<strong>do</strong><br />
as influências, ele nunca a<strong>do</strong>ptou uma <strong>do</strong>utrina acabada, mas buscou<br />
sempre, entre várias <strong>do</strong>utrinas, os elementos duma crença que pudesse<br />
adaptar-se às suas aspirações e às reivindicações sociais.<br />
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85 Philippe van Tieghem, Le Romantisme Français, Paris, P.U.F., 1957, p. 86.<br />
86 Mahmoud Aref, La pensée sociale et humaine de Victor Hugo dans son œuvre romanesque,<br />
Genebra, Librairie Slatkine / Paris, Librairie Champion, 1979, pp. 174-175, 180.<br />
87 Cf. Paul Bernet, Victor Hugo, Paris, Librairie Garnier Frères, 1927, p. 379.