Revista (PDF) - Universidade do Minho
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58<br />
DIACRÍTICA<br />
Oriente e envolvida no seu comportamento heterocêntrico pela Transcendência:<br />
o homem, em «situação-limite», que existe plenamente,<br />
dá-se conta que tu<strong>do</strong> é cifra, que tu<strong>do</strong> refere a Transcendência.<br />
A comunicação existencial implica portanto um esforço pela valorização<br />
mútua da liberdade individual, não buscan<strong>do</strong> a vitória mas a<br />
«entrega», não tenden<strong>do</strong> para uma igualização mas prosseguin<strong>do</strong><br />
e respeitan<strong>do</strong> a diversidade, porquanto a sua Existência se exerce<br />
queren<strong>do</strong> o outro precisamente na sua liberdade. Jaspers quer fundamentar<br />
assim a necessidade de comunicação na esfera da existência,<br />
de mo<strong>do</strong> a evitar quer a diluição no anonimato na massa despersonalizante<br />
quer o isolamento num individualismo extremo. É mediante a<br />
decisão livre que se desperta para a Existência; é nessa decisão que<br />
se manifesta o ser <strong>do</strong> próprio eu. Jaspers transforma o cogito sum de<br />
Descartes em eligo sum; pela decisão livre dá-se como que uma «autocriação»<br />
(Selbschöpfung) que implica também a historicidade. Esta<br />
filosofia da existência constitui o âmbito no qual se dá to<strong>do</strong> o saber e<br />
to<strong>do</strong> o possível descobrimento <strong>do</strong> ser. A filosofia não se limita a partir<br />
da experiência possível, como queria Kant, mas deve partir da «existência<br />
possível».<br />
Segun<strong>do</strong> Jaspers, três palavras permitem «construir o esquema <strong>do</strong><br />
que especificamente pertence à Europa: liberdade, história, ciência» 118 .<br />
Transpon<strong>do</strong> para a Europa, o conteú<strong>do</strong> da liberdade revela-se mediante<br />
<strong>do</strong>is fenómenos europeus fundamentais: por um la<strong>do</strong>, a vida tensa<br />
entre <strong>do</strong>is pólos opostos, e a vida nos extremos limites, por outro.<br />
«Primeiro: a vida tensa entre <strong>do</strong>is pólos. Para qualquer tomada de<br />
posição, a Europa desenvolveu a posição inversa. Talvez mais não<br />
possua de específico <strong>do</strong> que esta capacidade de ser todas as coisas, o<br />
que a torna apta não só a conceber em oposição consigo mesma o<br />
que lhe vem de fora, mas ainda a assimilá-lo e a transformá-lo em<br />
elemento da própria essência». Por isso mesmo, «encontramos na base<br />
da Europa a grande antítese da antiguidade e <strong>do</strong> cristianismo; até aos<br />
nossos dias os <strong>do</strong>is têm-se vin<strong>do</strong> a combater e a unir. Europeias,<br />
também, são as fecundas oposições da Igreja e <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, das nações<br />
e <strong>do</strong> império, das nações latinas e germânicas, <strong>do</strong> catolicismo e <strong>do</strong><br />
protestantismo, da teologia e da filosofia – hoje, da Rússia e da América.<br />
A Europa une o que, simultaneamente, mais opõe: mun<strong>do</strong> e transcendência,<br />
ciência e fé, técnica material e religião».<br />
——————————<br />
118 Karl Jaspers, in: O Espírito Europeu [1946], [«Encontros Internacionais de<br />
Genebra» (1946), texto integral das conferências e <strong>do</strong>s debates], tr. port. de J. Bénard<br />
da Costa, Lisboa, Publicações Europa-América, s.d., p. 305 ss.