Revista (PDF) - Universidade do Minho
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JUSTIÇA E PODER NOS TRIBUNAIS PLENÁRIOS DO ESTADO NOVO 257<br />
Neste processo em que a razão de Esta<strong>do</strong> se sobrepunha ao Esta<strong>do</strong> de<br />
Direito e a função jurisdicional, sob aspectos decisivos para a salvaguarda<br />
das garantias individuais, se subordinava ao poder político,<br />
a PIDE converteu-se num Esta<strong>do</strong> dentro <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>, com as trágicas<br />
consequências que to<strong>do</strong>s conhecemos, denunciadas, frequentemente,<br />
nos tribunais plenários criminais, perante a insensibilidade <strong>do</strong>s juízes<br />
e <strong>do</strong> Ministério Publico 28 . O processo político, propriamente dito,<br />
começava por uma instrução preparatória secreta, conduzida pela<br />
PIDE e que se podia prolongar por seis meses, durante a qual o<br />
argui<strong>do</strong> podia ficar sob detenção durante 3 meses, por simples decisão<br />
da polícia, e, ainda, por mais <strong>do</strong>is perío<strong>do</strong>s, de 45 dias cada, por simples<br />
despacho <strong>do</strong> ministro <strong>do</strong> Interior ou da Justiça (dec. n.º 35:042, de<br />
20 de Outubro de 1945). Nunca, aliàs, aconteceu que este despacho<br />
fosse recusa<strong>do</strong> à PIDE quan<strong>do</strong> o solicitou. O argui<strong>do</strong> podia, assim, ser<br />
manti<strong>do</strong> em detenção preventiva durante seis meses, sem qualquer<br />
intervenção da justiça. Durante essa fase <strong>do</strong> processo, não tinha sequer<br />
o direito de se fazer assistir por um advoga<strong>do</strong>. Também lhe era nega<strong>do</strong>,<br />
a si e aos seus, o direito de tomar conhecimento das acusações que lhe<br />
eram feitas; ao fim de seis meses, ou seja, após a conclusão <strong>do</strong><br />
processo de instrução, o argui<strong>do</strong> tinha a possibilidade de requerer<br />
uma instrução contraditória e a audição de testemunhas. No entanto,<br />
durante a fase de instrução preparatória <strong>do</strong> processo, a polícia podia<br />
propôr ao Tribunal Plenário, a aplicação imediata de medidas de segurança<br />
ao argui<strong>do</strong>. Mais ainda, ela própria podia aplicar tais medidas,<br />
durante esse perío<strong>do</strong> de prisão preventiva de 6 meses (Decreto |<br />
n.º 40:550 de 12 de Março de 1956, particularmente parágrafos 2 e 3<br />
<strong>do</strong> art. 9.º) 29 ; eis algumas delas, aplicadas pela PIDE aos deti<strong>do</strong>s nessa<br />
condição, na cadeia de Caxias, segun<strong>do</strong> um opúsculo anónimo, de<br />
1969, já por nós cita<strong>do</strong>: isolamento rigoroso, sem recreio, sem livros,<br />
jornais e papel para escrever; meia hora de visita por semana (só autorizada<br />
para cônjuges, pais, filhos, irmãos e avós), que se realizava num<br />
parlatório e na presença dum agente da PIDE; impossibilidade de estabelecer<br />
qualquer contacto, nem sequer por escrito, com o seu advoga<strong>do</strong><br />
(a existência deste é totalmente ignorada pela direcção da cadeia<br />
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28 Anónimo, A destruição sistemática <strong>do</strong>s seres humanos, 1969, p. 19.<br />
29 Pedro Ramos de Almeida, O Processo <strong>do</strong> Salazarismo ((Relatório sobre Portugal),<br />
(1964) Lisboa, Edições Avante!, 1983, p.90. Sobre estas questões veja-se o Relatório <strong>do</strong><br />
advoga<strong>do</strong> Adrian Wolters, que visitou Portugal a pedi<strong>do</strong> <strong>do</strong> Comité Internacional para<br />
a Aministia em Portugal).