Revista (PDF) - Universidade do Minho
Revista (PDF) - Universidade do Minho
Revista (PDF) - Universidade do Minho
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
FILOSOFIA DA EUROPA: QUESTÕES SOBRE A EUROPA 69<br />
da história nos tornámos nós-mesmos? Que nós-mesmos, entrementes,<br />
devemos conservar?» A verdadeira questão que se coloca aos cria<strong>do</strong>res<br />
da cultura e de seus meios, não é permanecermos nós-mesmos,<br />
mas tornarmo-nos nós-mesmos, segun<strong>do</strong> a fórmula de origem grega,<br />
tão goetheana, de Nietzsche: Werde, was du bist! Torna-te no que és» 145 .<br />
Na mesma ordem de ideias, «se pensamos que permanecer si-<br />
-mesmo significa simplesmente imitar os antepassa<strong>do</strong>s e as suas<br />
características específicas, sem correr o risco de as renovar, reduz-se<br />
depressa a cultura ao floclore, a Escócia à gaita de foles e a Bretanha<br />
às toucas, a Espanha às castanholas» 146 . Ora, «a Europa, esta Grécia<br />
aumentada, é um continente compartimenta<strong>do</strong> e, por natureza, diversifica<strong>do</strong>,<br />
impróprio, por consequência, e mesmo rebelde, às planificações<br />
sobre uma tábua rasa que a América e principalmente a Rússia –<br />
essas duas grandes planuras de um só senhor – se podem permitir<br />
experimentar» 147 .<br />
Em Rougemont, portanto, a inovação opõe-se à tradição como<br />
a cultura ao floclore, e a vocação é o motor por excelência <strong>do</strong> acto<br />
cria<strong>do</strong>r, constitutivo da pessoa e da cultura, que se inscreve, claro,<br />
numa tradição, mas que significa antes de mais um risco. A par da sua<br />
crítica ao fechamento na tradição, Rougemont sublinha os perigos <strong>do</strong><br />
desejo de «enraízamento» – essa busca das raízes que corresponde<br />
certamente a uma reacção compreensível <strong>do</strong> homem confronta<strong>do</strong> com<br />
a civilização massificante oriunda da revolução industrial (que produz<br />
as imensas concentrações nas cidades e a desertificação das aldeias).<br />
Essa reacção não poderá, contu<strong>do</strong>, fazer esquecer que o homem não<br />
é um legume, mas um animal; que longe de ter raízes, é feito para<br />
se deslocar. E Rougemont acrescenta que «o legume que tem a mais<br />
grossa raiz, que é to<strong>do</strong> raiz (…) é precisamente aquele que tem a pior<br />
reputação em literatura: o nabo» 148 .<br />
——————————<br />
145 Id., Fédéralisme Culturel, op. cit., p. 19 ss. Cf. F. Saint-Ouen, op. cit., pp. 90-91.<br />
146 Ib., p. 16.<br />
147 Id., in: O Espírito Europeu , op. cit., p. 167.<br />
Daí que conclua a sua intervenção, proclaman<strong>do</strong>: «O pensamento <strong>do</strong> mun<strong>do</strong> é a<br />
Europa. E se, na realidade, se trata de pensar, não sei que de outra coisa se possa pensar<br />
para a paz a não ser um ideal federativo mundial. Eis porque, sem hesitar perante a<br />
aparência de um trocadilho, que formula com felicidade, quer-me parecer, a atitude<br />
comprometida e de solidariedade que nos deve inspirar aqui, direi, pensan<strong>do</strong> na Europa<br />
e na sua vocação mundial, e convi<strong>do</strong>-vos a dizer comigo: Penso, logo nela existo!»<br />
(cf. ib., p. 170).<br />
148 Cf. Fédéralisme Culturel, op. cit., p. 16 ss. Cf. F. Saint-Ouen, op. cit., pp. 90-92.