Revista (PDF) - Universidade do Minho
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JUSTIÇA E PODER NOS TRIBUNAIS PLENÁRIOS DO ESTADO NOVO 261<br />
Caldeira, que foi indiferente aos acontecimentos. Mas se as vítimas<br />
não podiam denunciar as torturas, podiam fazê-lo por elas os seus<br />
advoga<strong>do</strong>s. Ainda que infrutiferamente. No seu livro «Quatro causas»<br />
o Dr. Zalga<strong>do</strong> Zenha, denunciou o espancamento que os agentes da<br />
PIDE tinham infligi<strong>do</strong>, ao preso político Joaquim Alves de Araújo, nos<br />
calabouços <strong>do</strong> Tribunal, limitan<strong>do</strong>-se o tribunal a registar a informação,<br />
para que fosse enviada certidão dela ao Director da PIDE 42 ;<br />
frequentemente «os argui<strong>do</strong>s eram interrompi<strong>do</strong>s na denúncia que<br />
faziam das torturas e sempre que o advoga<strong>do</strong> pediu o boletim clínico<br />
<strong>do</strong> preso que foi interna<strong>do</strong>, o tribunal argumentava com o seu carácter<br />
confidencial ou, então, que o médico não podia ser ouvi<strong>do</strong> por se<br />
encontrar ausente por ‘razões de serviço ou afazeres profissionais’.<br />
Um outro aspecto <strong>do</strong> funcionamento meramente simbólico e formal<br />
<strong>do</strong> tribunal está no facto de já se terem realiza<strong>do</strong> julgamentos sem a<br />
presença das testemunhas de acusação, confinan<strong>do</strong>-se a prova aos<br />
autos instruí<strong>do</strong>s pela própria PIDE. Por várias vezes se apurou que<br />
as declarações <strong>do</strong> argui<strong>do</strong> durante a instrução <strong>do</strong> processo não eram<br />
logo reduzidas a escrito e assinadas, como ordenava a lei, mas sim<br />
compostas no final. Nos autos instruí<strong>do</strong>s pela PIDE a uniformidade de<br />
redacção <strong>do</strong>s depoimentos é sintomática da sua falta de espontaneidade,<br />
tão bem declara um intelectual como um operário» 43 . Talvez por<br />
tu<strong>do</strong> isto o Bastonário da Ordem <strong>do</strong>s Advoga<strong>do</strong>s, o dr. Pedro Pitta,<br />
pediu ao Sr. Ministro da Justiça, em Fevereiro de 1963, um inquérito<br />
sobre que se passava na instrução <strong>do</strong>s processos. O segun<strong>do</strong> momento<br />
<strong>do</strong> processo era o depoimento das testemunhas de acusação, invariavelmente,<br />
constituídas por agentes da PIDE que vinham testemunhar<br />
que as declarações <strong>do</strong>s acusa<strong>do</strong>s, durante a instrução <strong>do</strong> processo,<br />
tinham si<strong>do</strong> feitas na sua presença e de espontânea vontade, afirman<strong>do</strong>,<br />
também, terem conhecimento das actividades subversivas <strong>do</strong>s<br />
réus, cujas provas ou explicações se recusavam a dar, invocan<strong>do</strong> o<br />
segre<strong>do</strong> profisssional 44 . O terceiro momento era o depoimento das<br />
testemunhas de defesa, que «só podiam explicar-se dentro de certos limites,<br />
e não o fazen<strong>do</strong> podiam sofrer represálias – como foi o caso, designadamente,<br />
<strong>do</strong> Prof. Ruy Luis Gomes, (…) e de Maria Isabel Aboim<br />
——————————<br />
42 Anónimo, op. cit., p. 21.<br />
43 Idem, ibidem, p. 22.<br />
44 Pedro Ramos de Almeida, op. cit., p. 105. Sobre o mo<strong>do</strong> como essas confissões<br />
foram extorquidas aos presos políticos, algumas delas, provocan<strong>do</strong> mesmo a morte <strong>do</strong>s<br />
interroga<strong>do</strong>s, veja-se Fernan<strong>do</strong> Queiroga, Portugal Oprimi<strong>do</strong>, Rio de Janeiro, Ed. Germinal,<br />
1958.