Revista (PDF) - Universidade do Minho
Revista (PDF) - Universidade do Minho
Revista (PDF) - Universidade do Minho
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
238<br />
DIACRÍTICA<br />
que aprender <strong>do</strong> seu home, polo visto, até mesmo a «administraçom<br />
<strong>do</strong>méstica», o mo<strong>do</strong> de levar a casa. Ironicamente, vale dizer que, na<br />
verdade, Aristóteles tinha em altíssima consideraçom a capacidade<br />
feminina, porque em tais «condiçons» de partida e de ambiente considerava<br />
à mulher capaz de (chegar à) amizade virtuosa. Umha semelhante<br />
contradiçom é patente assimesmo entre: dum la<strong>do</strong>, na Pol., a<br />
auséncia e/ou a exclusom das mulheres da participaçom política, que<br />
em toda a Pol. está basicamente implícita e só às vezes é abertamente<br />
manifesta, como paradigmaticamente na crítica a Lacedemónia em<br />
II/9 (1269b32-34); e de outro la<strong>do</strong>, na Ret., a assunçom da figura de<br />
Antígona como, digamos, representaçom, detentora e abandeirada, da<br />
«justiça natural», em I/13 (1373b9-11), e da «lei nom-escrita», em I/15<br />
(1375a33-35). Contradiçom ainda mais flagrante por quanto Antígona,<br />
como recolhe o próprio Aristóteles em III/16, nom só desafia a «justiça<br />
política» senom tamém a «justiça <strong>do</strong>méstica» (1417a30-34).<br />
Mas, deixan<strong>do</strong> aponta<strong>do</strong>s estes para<strong>do</strong>xos, que sem dúvida fracturam<br />
o teor geral escravista e patriarcal, concluamos ja, recapitulan<strong>do</strong><br />
a concepçom aristotélica da «justiça <strong>do</strong>méstica» e, no que a ela<br />
atinge, da «justiça política».<br />
Segun<strong>do</strong> temos visto na Étc.Nic. e na Pol., estes tres seres, o<br />
escravo e a mulher e o neno, tenhem, a respeito <strong>do</strong> home livre adulto,<br />
um estatuto incompleto: o escravo tem só (e quase nom) estatuto<br />
humano; a mulher goza, além <strong>do</strong> humano, de estatuto cívico, mas nom<br />
<strong>do</strong> político; e o neno possui, além <strong>do</strong> humano, os estatutos cívico e<br />
político, mas estes só potencialmente. Sobre estes seres recai a «justiça<br />
<strong>do</strong>méstica», que, reconhecen<strong>do</strong>-lhes diferentemente a condiçom de<br />
sujeitos, os subordina, assimesmo diferentemente, ao home, amoesposo-pai.<br />
Sair-se <strong>do</strong> seu laço, é para o neno questom de tempo,<br />
mentres que constitui para o escravo umha probabilidade hipotética,<br />
dependente da vontade <strong>do</strong> seu amo, e para a mulher umha possibilidade<br />
limitada, ligada à eficácia da sua amizade (co seu home). Surprendentemente,<br />
de ver-se livre, o ex-escravo poderia chegar a atingir<br />
a condiçom de sujeito político, mentres que a mulher, sen<strong>do</strong> ja livre,<br />
nom parece – excepto talvez na democrácia – poder chegar a actuar<br />
em política, senom é a través <strong>do</strong> seu home. No entanto, eles (os tres)<br />
som só objectos da «justiça política».<br />
Em qualquer caso, o que era «natural», a «reduzida entidade» <strong>do</strong><br />
escravo e da mulher, conhece modificaçons: para<strong>do</strong>xalmente, produzíveis<br />
por esses mesmos sujeitos! Nem que dizer tem que, com isto, o<br />
fundamento naturalístico da escravitude e <strong>do</strong> patriarca<strong>do</strong> se cambalea.<br />
Estas fracturas, patentizadas pola nossa leitura, estám ja na