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Revista (PDF) - Universidade do Minho

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FILOSOFIA DA EUROPA: QUESTÕES SOBRE A EUROPA 55<br />

«simples ciências de facto fazem uma simples humanidade de facto»;<br />

isto é: se os homens consideram que no mun<strong>do</strong> não há mais que factos,<br />

eles próprios se convertem num conjunto de factos sem princípios,<br />

sem qualquer necessidade, porque a natureza <strong>do</strong> facto radica em não<br />

ser necessário, isto é, em não ter em si mesmo a sua razão de ser.<br />

Na lógica de Husserl, sabemos que a «redução» se inicia como<br />

prática ao serviço de um projecto crítico de recuperação <strong>do</strong> sujeito<br />

racional; quer dizer, Husserl, com a epoché, pretendeu encontrar no<br />

sujeito o apoio apodíctico <strong>do</strong> valor da ciência; ou, por outras palavras,<br />

com a redução fenomenológica buscava-se relevar a vida intencional<br />

subjectiva, o desejo de fundar a ciência, de assegurar o sujeito racional<br />

que faz ciência. Recorde-se que a obra foi escrita numa situação histórica<br />

muito grave, na Alemanha irracional; ora, a fenomenologia apresenta-se<br />

como uma tentativa de recuperação <strong>do</strong> sujeito racional: esse<br />

o senti<strong>do</strong> da redução transcendental.<br />

Se a ideia de filosofia permitiu ao homem europeu projectar-se no<br />

eterno e no universal, superan<strong>do</strong> os seus condicionalismos históricos e<br />

culturais, com vista a apresentar-se como o arquétipo da humanidade,<br />

a crise desta ideia implicará igualmente o perigo da desagregação da<br />

própria Europa, pulverizan<strong>do</strong>-se em múltiplos nacionalismos agressivos,<br />

que sobrevalorizam o particular ignoran<strong>do</strong> o universal; então,<br />

espreitará «o declínio da Europa tornada estranha ao seu próprio<br />

senti<strong>do</strong> racional da vida, a queda na raiva espiritual e na barbárie» 114 .<br />

O exercício racional é um ponto arquimédico entre o humano e o nãohumano;<br />

a cultura europeia, a cultura filosófica, consiste em converter<br />

esse rasgo essencial <strong>do</strong> ser humano no princípio <strong>do</strong>s princípios, isto é,<br />

no princípio configura<strong>do</strong>r e inspira<strong>do</strong>r de to<strong>do</strong>s os demais.<br />

Europa traz, pois, em si, uma ideia absoluta, uma ideia que, ainda<br />

que latente, está em to<strong>do</strong> o ser humano e em to<strong>do</strong> o grupo humano; e<br />

se a humanidade quer sobreviver será também necessário reivindicála.<br />

Esta reivindicação <strong>do</strong> carácter absoluto que a Europa representa<br />

constitui um <strong>do</strong>s pilares básicos da fenomenologia, defendi<strong>do</strong> por um<br />

pensa<strong>do</strong>r europeu que acabava de ser testemunho impotente da maior<br />

loucura provocada até então pela humanidade (este pensamento desenvolve-se<br />

em 1922, repeti<strong>do</strong> no umbral da sua morte), quan<strong>do</strong> o seu<br />

próprio país havia inicia<strong>do</strong> já, com o consentimento inicial ingénuo<br />

de muitos milhões de cidadãos alemães, o precurso da irracionalidade<br />

e da barbárie.<br />

——————————<br />

114 Edmund Husserl, op. cit., pp. 102-104. Cf. também João Paisana, op. cit., p. 70.

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