Revista (PDF) - Universidade do Minho
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FILOSOFIA DA EUROPA: QUESTÕES SOBRE A EUROPA 57<br />
humanismo numa das maiores crises europeias. A filosofia de Jaspers<br />
foi, pois, um apelo profun<strong>do</strong> e angustia<strong>do</strong> ao homem em perigo, para<br />
que desperte de si mesmo, desvendan<strong>do</strong> vias que conduzam os humanos<br />
<strong>do</strong> simples vegetar <strong>do</strong> homem-massa à existência autêntica <strong>do</strong> indivíduo,<br />
<strong>do</strong>no <strong>do</strong> seu destino, que se propõe como ideal ser si-mesmo.<br />
A Existência (Existenz) é vista como o acto pelo qual o homem é<br />
ele mesmo. Vive-se intimamente dum mo<strong>do</strong> experimentável mas<br />
inexprimível; as palavras e os conceitos não conseguem expressar o<br />
viver interior; apenas excitam intimamente as realidades existenciais.<br />
Na Existência há sempre um abismo para além daquilo que dela<br />
pensamos, poden<strong>do</strong> ser alcançada por três índices axiais: liberdade,<br />
comunicação e historicidade.<br />
Na verdade, se o acto livre se exercitasse apenas relativamente<br />
ao Dasein, não seria ainda um autêntico despertar para a Existência;<br />
só sou verdadeiramente eu, entran<strong>do</strong> em comunicação com outro.<br />
«A liberdade e as suas manifestações, eis aí o campo da filosofia e o da<br />
interpretação filosófica <strong>do</strong>s factos da história e das sociedades humanas.<br />
A menção de três fenómenos estreitamente liga<strong>do</strong>s servirá para<br />
esta interpretação; a liberdade opõe-se: primeiramente, pela comunicação<br />
de indivíduos autónomos, a to<strong>do</strong> o que pretende possuir uma<br />
verdade absoluta; segun<strong>do</strong>, pela discussão pública, à divinização <strong>do</strong><br />
homem; terceiro, pela confiança no homem, a uma negação da liberdade»<br />
117 . Comunicar-se é manifestar-se a outro, precisamente<br />
enquanto se é também outro; e manifestar-se como outro é esclarecerse<br />
como pessoa.<br />
Jaspers rejeita uma mera «comunicação empírica» (a da vida<br />
social); não o que o outro tem, nem, consequentemente, em dar-se o<br />
que se «tem»; não interessa o que se tem: interessa o que se é, e o ser<br />
autêntico é liberdade. Deste mo<strong>do</strong>, «a liberdade realiza-se na comunidade»<br />
e, então, «eu só posso ser live na medida em que os outros forem<br />
livres». Karl Jaspers vê a grandeza da nossa história ocidental nos<br />
espaços de comunicação <strong>do</strong>s movimentos de liberdade: na polis democrática<br />
ateniense, na Roma republicana, nas cidades da Idade Média<br />
tardia, nas constituições da Suiça e da Holanda, na ideia da Revolução<br />
Francesa (não na sua degenerescência em ditadura), na história política<br />
<strong>do</strong>s ingleses e americanos. Assim, Jaspers repensa a Europa<br />
através da categoria de espírito, que é a existência humana em comunicação<br />
com outras existências, incluin<strong>do</strong> também as relações com o<br />
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117 Karl Jaspers, Bilan et perspectives [1951], tr. <strong>do</strong> alemão, Paris, Desclée de<br />
Brower, 1965, p. 105.