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Revista (PDF) - Universidade do Minho

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50<br />

DIACRÍTICA<br />

ainda <strong>do</strong> culto da Humanidade que eles preconizavam e que Comte<br />

quis celebrar. É em ruptura com as abstracções vindas <strong>do</strong>s séculos póssocráticos<br />

que Nietzsche proclama a necessidade europeia. Convicto e<br />

decidi<strong>do</strong> adversário <strong>do</strong> nacionalismo, quase nos recorda Proudhon e<br />

os federalistas, quan<strong>do</strong> adverte os seus contemporâneos sobre o futuro<br />

duma Europa <strong>do</strong>minada pelos Esta<strong>do</strong>s-nações: «Esta<strong>do</strong> é como se<br />

chama o mais frio de to<strong>do</strong>s os monstros frios. É também com frieza<br />

que ele mente e da sua boca sai esta mentira: «Eu, Esta<strong>do</strong>, sou o<br />

povo» 101 . O poder <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> tentacular, <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong> que se identifica<br />

abusivamente com o povo e a nação, provoca degradação da vida espiritual,<br />

mesmo da própria vida, reduzin<strong>do</strong> a humanidade ao «último<br />

homem», negan<strong>do</strong> mesmo a cultura.<br />

Ademais, rejeita o hegelianismo e a sacralização <strong>do</strong> Esta<strong>do</strong>; nesta<br />

via, Europa pairará nas sendas <strong>do</strong> fatalismo da força, conduzi<strong>do</strong> pela<br />

força que corrói o destino das povos, riscan<strong>do</strong> <strong>do</strong> mapa das nações os<br />

pequenos Esta<strong>do</strong>s em proveito <strong>do</strong>s maiores, que um dia serão absorvi<strong>do</strong>s<br />

pelo Esta<strong>do</strong>-monstro (Monstrestaat), espécie de colosso com pés<br />

de barro e sem coesão interna, condena<strong>do</strong>, mais ce<strong>do</strong> ou mais tarde, à<br />

implosão. Esta a advertência cuja sombra se projecta no dealbar <strong>do</strong><br />

século XXI, como sábio aviso de quem intuía mais que demonstrava.<br />

Perdida no temor face ao nada, tentada por «novos í<strong>do</strong>los», Europa<br />

está exposta ao que Nietzsche, após, Paul Bourget, qual pró<strong>do</strong>mo<br />

<strong>do</strong> niilismo europeu, chama «niilismo», isto é, aquele fenómeno global<br />

de desintegração e de decomposição a to<strong>do</strong>s os níveis, cujos síndromas<br />

vão <strong>do</strong> biológico ao espiritual, qual grande <strong>do</strong>ença que se abateu sobre<br />

o homem contemporâneo. Enquanto o «último homem» aceita querer<br />

o nada (o que é próprio <strong>do</strong> niilismo europeu), o «super-homem», ao<br />

invés, preferirá ainda, e transitoriamente, «nada querer» (o que é a<br />

superação <strong>do</strong> primeiro niilismo), mas com a finalidade de «poder<br />

plenamente querer»; uma finalidade impõe-se <strong>do</strong>ravante: conhecer o<br />

quantum <strong>do</strong> valor e da vida na «vontade de poder» 102 . O niilismo<br />

——————————<br />

101 Friedrich Nietzsche, Ainsi parlait Zarathoustra [1885], Œuvres Philosophiques Complètes,<br />

t. VI, p. 61; cf. tr., Assim falava Zaratustra, ed. cit., t. IV, Relógio d’Água, 1996, p. 55.<br />

Cf. Jean Nurdin, L’idée d’Europe dans la pensée allemande à l’époque bismarckienne,<br />

Berna, Peter Lang, 1980, p. 491 ss. Jean Pierre Faye, «Nietzsche et l’Europe, in: Michèle<br />

Ma<strong>do</strong>nna Desbazeille, L’Europe, naissance d’une utopie?, op. cit., pp. 189-206. Cf.<br />

também Politique de Nietzsche, textes choisis et présentés par René-Jean Dupuy, Paris,<br />

Armand Colin, 1969, pp. 34-36, 77-85, 296 ss.<br />

102 Angèle Kremer-Marietti, «Le concept de niilisme européen», in: Friedrich Nietzsche,<br />

Le nihilisme européen, intr. e tr. de A. Kremer-Marietti, Paris, Kimé, 1997, pp. 17-18.

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