Revista (PDF) - Universidade do Minho
Revista (PDF) - Universidade do Minho
Revista (PDF) - Universidade do Minho
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
FILOSOFIA DA EUROPA: QUESTÕES SOBRE A EUROPA 53<br />
vejo-a preparar-se lentamente, duma maneira hesitante. Para to<strong>do</strong>s os<br />
espíritos vastos e profun<strong>do</strong>s <strong>do</strong> século, a tarefa em que puseram toda<br />
a sua alma foi preparar esta síntese nova e antecipar a título de ensaio<br />
o «Europeu» <strong>do</strong> futuro. (…) Mas o que em tais espíritos está em movimento<br />
e toma forma como a necessidade duma unidade nova, ou já<br />
como uma nova unidade porta<strong>do</strong>ra de novas necessidades, esclarecese<br />
por um grande facto económico: os pequenos Esta<strong>do</strong>s da Europa,<br />
quero dizer to<strong>do</strong>s os nossos Esta<strong>do</strong>s e os nossos «Impérios» actuais<br />
tornar-se-ão insustentáveis, economicamente, dadas as exigências<br />
soberanas das grandes relações internacionais e que reclamam a<br />
extensão suprema, trocas universais, um comércio mundial. (Por si<br />
mesma a moeda obrigará a Europa, ce<strong>do</strong> ou tarde, a fundir-se numa<br />
única potência)» 108 . Este trecho confia-nos uma peça premonitória <strong>do</strong><br />
processo de integração europeia.<br />
Algumas das suas ideias-força originaram ambiguidades, mercê<br />
da linguagem alegórica e quase-poética que as enforma, tais como<br />
«vontade de poder», «sobre-humanidade», «selecção de elites»; as ambiguidades<br />
daí resultantes, fonte de não poucas e graves confusões,<br />
deformações e extrapolações, não ocultarão como entrevia a mediocridade<br />
europeia <strong>do</strong> tempo, propon<strong>do</strong> uma visão que ponha termo «à<br />
comédia que já durou demasia<strong>do</strong> tempo», com «esta divisão da<br />
Europa em pequenos Esta<strong>do</strong>s, essa pelagem sarapintada de dinastias e<br />
de democracias». Hoje, sinais evidentes – despercebi<strong>do</strong>s para os políticos<br />
de vistas curtas – indicam «que a Europa se quer unir». Não uma<br />
Europa, mas a pátria Europa: «o que se realiza, é o lento advento<br />
duma humanidade essencialmente supranacional» 109 . Pressentimento<br />
de um valor novo: deixan<strong>do</strong> os seus estreitos pontos de vista nacionalistas,<br />
os indivíduos estarão por toda a parte em sua casa na Europa,<br />
muito mais nómadas que nos nossos dias.<br />
Por outro la<strong>do</strong>, Europa não é definida estritamente pelas suas<br />
fronteiras físicas: «Aqui, onde as noções de «moderno» e de «europeu»<br />
são quase equivalentes, entende-se por Europa muito mais territórios<br />
que aqueles que inclui a Europa geográfica, esta pequena quase ilha da<br />
Ásia: a América sobretu<strong>do</strong> faz parte dela, pois que ela é justamente<br />
filha da nossa civilização. Por outro la<strong>do</strong>, não é toda a Europa que<br />
engloba a ideia de civilização «europeia», mas somente esses povos e<br />
——————————<br />
108 Friedrich Nietzsche, Fragments posthumes, automne 1884-automne 1885, t. XI,<br />
Œuvres Philosophiques Complètes, op. cit., WI 37 [9], pp. 316-317.<br />
109 Friedrich Nietzsche, Par-delà bien et mal, op. cit., §. 242, p. 161; cf. tr., op. cit.,<br />
§. 242, p. 94.