Revista (PDF) - Universidade do Minho
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52<br />
DIACRÍTICA<br />
decisão rápida que reinam hoje com a ajuda <strong>do</strong> patriotismo, sem<br />
suspeitarem até que ponto a sua política de desunião é uma simples<br />
política de entre-acto – graças a tu<strong>do</strong> isso e a muitas coisas que hoje<br />
ainda não se podem dizer, menospreza-se ou deforma-se mentirosamente<br />
os sintomas que provam da maneira mais manifesta que a<br />
Europa se quer unir» 104 .<br />
Pensa Nietzsche em termos de federalismo ou de «monarquia universal»?<br />
Os seus textos não são explícitos. Nietzsche nunca se propôs<br />
imaginar um sistema político; não terá ti<strong>do</strong> uma noção<br />
federalista,muito menos de monarquia universal: a dialéctica federalista<br />
visa tão-somente esvaziar os Esta<strong>do</strong>s-nações <strong>do</strong> poder centraliza<strong>do</strong><br />
e monolítico, mas sem abolir as pátrias, que se querem integrar<br />
num conjunto mais vasto. A unidade está certamente longe de realizarse:<br />
a vileza e o egoísmo inglês, aliada à «grosseria e honestidade rural<br />
inglesa (…) disfarçadas com o auxílio da linguagem séria <strong>do</strong> cristianismo»;<br />
depois, a ingenuidade sem humor da alma alemã, com o seu<br />
pesa<strong>do</strong> far<strong>do</strong> ideológico, conjuga<strong>do</strong> com o tipo «bon<strong>do</strong>so e pérfi<strong>do</strong>»<br />
(uma tal aproximação, contraditória em relação a qualquer outro<br />
povo, conforma-se infelizmente, demasiadas vezes, na Alemanha),<br />
para além da sua complexidade inabordável 105 , pelo que se compreende<br />
a fórmula: para ser um bom alemão é necessário cessar de<br />
o ser 106 ; além <strong>do</strong> mais, a juventude demasia<strong>do</strong> verde <strong>do</strong>s italianos, o<br />
carácter avança<strong>do</strong> da decadência francesa, apesar da «França ser o<br />
lugar da Europa de cultura mais espiritual e mais refinada e a grande<br />
escola <strong>do</strong> gosto», embora «seja preciso saber encontrar essa «França<br />
<strong>do</strong> gosto» 107 . Todavia, para Nietzsche, a solidariedade <strong>do</strong>s povos vai-se<br />
amplian<strong>do</strong>, contribuin<strong>do</strong> para isso o carác-ter internacional da economia,<br />
<strong>do</strong> comércio e das trocas de to<strong>do</strong> o tipo.<br />
Num fragmento póstumo, que evoca o tema, Nietzsche vai ainda<br />
mais longe, preven<strong>do</strong> a necessidade dum merca<strong>do</strong> comum europeu:<br />
«Quanto a todas essas guerras nacionais, a esses novos «Impérios», a<br />
tu<strong>do</strong> o que ocupa duma maneira ou de outra o primeiro plano, tu<strong>do</strong><br />
isso vejo-o de muito longe: o que me importa é a Europa Una, e eu<br />
——————————<br />
104 Friedrich Nietzsche, Par-delà bien et mal [1886], t. VII, Œuvres Philosophiques<br />
Complètes, edição cit., §. 242 (p. 161), §. 256 (p. 177); cf. tr., op. cit., §. 242 (p. 194), §. 256<br />
(pp. 214-215).<br />
105 Ib., §§. 244 ss.<br />
106 Friedrich Nietzsche, «Opinions et sentences mêlées» [1789], Humain, trop<br />
humain, op. cit., t. III-2, §. 323, p. 146.<br />
107 Friedrich Nietzsche, Par-delà bien et mal, op. cit., §§. 244 ss.