Revista (PDF) - Universidade do Minho
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44<br />
DIACRÍTICA<br />
Victor Hugo, o grande poeta e escritor, mas também o ensaísta e o<br />
pensa<strong>do</strong>r, não se dedicou, pois, somente à arte da ficção e aos recursos<br />
<strong>do</strong> imaginário; se é verdade que a obra Les Misérables o imortalizou<br />
como obra plena de brilho literário e de paixão pela humanidade e<br />
fraternidade, é verdade também que ele foi ainda um <strong>do</strong>s mais destaca<strong>do</strong>s<br />
militantes, e um <strong>do</strong>s mais empenha<strong>do</strong>s, da causa europeia.<br />
Saint-Simon elaborou, como vimos, uma proposta com vista à criação<br />
<strong>do</strong> parlamento europeu (1814); Victor Hugo, desde 1849, no contexto<br />
<strong>do</strong> romantismo político, e impulsiona<strong>do</strong> pelos ideais de povo e de<br />
nação, exaltou a «fraternidade europeia», a «República europeia»,<br />
enfim, os «Esta<strong>do</strong>s Uni<strong>do</strong>s da Europa», abrin<strong>do</strong> uma via de futuro.<br />
Segun<strong>do</strong> o pensamento de Hugo, o que ressalta é a unidade na<br />
diversidade; em to<strong>do</strong> o espaço europeu, sente-se o apelo mágico da<br />
Europa: desde o itinerário da história europeia, às camadas arqueológicas<br />
e aos contrastes da geografia europeia – que revelam unidade<br />
e diversidade –, às modulações da arte europeia – onde tu<strong>do</strong> parece<br />
separar e unir –, ausculta-se uma Europa ao mesmo tempo cheia de<br />
«singularidades» e plena <strong>do</strong> «universal» – uma Europa <strong>do</strong>s povos e<br />
uma Europa unida. «A uma escala maior, Victor Hugo liga, como<br />
Michelet, o olhar geográfico ao olhar histórico, pratican<strong>do</strong> de bom<br />
gra<strong>do</strong> um maneira de alpinismo meditativo que lhe permite abraçar<br />
uma paisagem para a tentar compreender. Operação hermenêutica<br />
que versa a paisagem como um livro onde o poeta decifra e interpreta<br />
uma história geológica e humana, um palimpsesto em que as épocas<br />
estão sobrepostas e mais ou menos contidas, num quadro em que o<br />
pensa<strong>do</strong>r pode fazer reviver grandes cenas históricas e delas busca<br />
o senti<strong>do</strong>» 88 .<br />
Na verdade, a paisagem-história da Europa, para Hugo, é o Reno,<br />
simultaneamente separa<strong>do</strong>r e unificante, árvore gigantesca que desenha<br />
o coração da história europeia, <strong>do</strong>s seus impérios, das suas nações<br />
e da sua futura união. Conforme Hugo escreve, «é um nobre rio, feudal,<br />
republicano, imperial, digno de ser ao mesmo tempo francês e alemão.<br />
Há toda a história da Europa considerada nestes <strong>do</strong>is grandes aspectos,<br />
neste rio <strong>do</strong>s guerreiros e <strong>do</strong>s pensa<strong>do</strong>res, nesta vaga soberba que<br />
faz pular a França, no murmúrio profun<strong>do</strong> que faz sonhar a Alemanha»<br />
89 . Com o rio, Hugo conceptualiza primeiramente uma Região,<br />
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88 Nicole Say, «L’Europe de Victor Hugo: du gothique au géopolitique», in: Michèle<br />
M. Desbazeille, L’Europe, Naissance d’une Utopie?, op. cit., pp. 178-179.<br />
89 Victor Hugo, «Le Rhin, lettres à un ami (lettre XIV)», in: Voyages, Paris, Robert<br />
Laffont, pp. 99-100 (Œuvres Complètes). Cf. também Nicole Savy, op. cit., p. 179.