Revista (PDF) - Universidade do Minho
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212<br />
DIACRÍTICA<br />
superiores. O próprio Rawls admite a inerente «instabilidade» da<br />
concepção de igualdade equitativa de oportunidades 11 . Mas isso não<br />
basta. Mais <strong>do</strong> que instável, ela é simplesmente incoerente.<br />
A concepção E distingue, sem justificar, duas coisas que são moralmente<br />
idênticas: os acasos sociais e os acasos naturais. Ora, não há qualquer<br />
razão para corrigir a lotaria social sem corrigir a lotaria natural, tal<br />
como não haveria razão para corrigir a última sem corrigir a primeira 12 .<br />
Se tomarmos a sério a intuição moral fundamental <strong>do</strong> próprio Rawls, as<br />
concepções F e R são as mais estaveis e as únicas coerentes.<br />
A partir de agora, procuraremos convencer o leitor – obviamente<br />
sem qualquer sucesso previsível – de que estas duas concepções,<br />
claramente contrastantes, têm algum peso moral. A ideia básica é a<br />
seguinte: sen<strong>do</strong> moralmente arbitrárias tanto a lotaria social como a<br />
lotaria natural, tanto podemos mitigar as duas como não mitigar<br />
nenhuma. O que é moralmente arbitrário pode ser corrigi<strong>do</strong>, ou pode<br />
não o ser, precisamente porque é moralmente arbitrário. Em ambos os<br />
casos, estamos a tratar os indivíduos com igual consideração e respeito.<br />
Este argumento pode ser apresenta<strong>do</strong> sob a forma de uma pequena<br />
experiência mental. Esta experiência é contrafactual mas não<br />
apriorística. Diferentemente <strong>do</strong> construto neocontratualista da «posição<br />
original» – que serve para seleccionar princípios de justiça de<br />
entre uma lista de alternativas previamente dada – a experiência aqui<br />
pro-posta serve para explicitar porque razão uma tal selecção não<br />
é possível.<br />
O ponto de partida é aquilo a que se pode chamar «plateau igualitário»<br />
13 . Imaginemos que to<strong>do</strong>s concordamos que uma qualquer ideia<br />
——————————<br />
11 Rawls (1971: 74).<br />
12 Ao interpretar o segun<strong>do</strong> princípio da justiça, Rawls considera esta possibilidade,<br />
i.e., a existência de uma concepção de justiça que aceita uma igualdade de oportunidades<br />
em senti<strong>do</strong> formal, complementada pelo princípio da diferença. Esta<br />
concepção, que ele designa por «aristocracia natural», convida assim a uma correcção<br />
da lotaria natural – operada pelo princípio da diferença – sem qualquer correcção da<br />
lotaria social, uma vez que, num sistema aristocrático, a igualdade de oportunidades<br />
nunca seria equitativa. Esta concepção de justiça obedece à divisa «noblesse oblige».<br />
Podemos considerar que tal concepção é algo bizarra. Porém, ela não é mais – nem<br />
menos – incoerente <strong>do</strong> que a concepção E.<br />
13 A expressão é usada por Ronald Dworkin, nomeadamente em Dworkin (1978 ).<br />
Para este autor, o plateau igualitário é a ideia de que to<strong>do</strong>s devem ser trata<strong>do</strong>s com<br />
igual consideração e respeito. Este conceito não implica qualquer igualitarismo estrito e<br />
abarca um grande número de teorias contemporâneas. Mas este conceito genérico