Revista (PDF) - Universidade do Minho
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Para Husserl, a verdade não tem condições; a razão é o que é.<br />
A filosofia não pode ter um significa<strong>do</strong> priva<strong>do</strong>, particular, limita<strong>do</strong> a<br />
um momento ou a um grupo; por isso o filósofo serve a humanidade:<br />
é, como diz Husserl, com uma expressão que fez fortuna em alguns<br />
círculos, «funcionário da humanidade»; é, portanto, um especta<strong>do</strong>r<br />
desinteressa<strong>do</strong>, mas só porque o seu interesse está para além de qualquer<br />
interesse da vida ordinária.<br />
Numa Europa muito dividida por nacionalismos belicistas,<br />
Husserl pretende encontrar vias que permitam edificar uma fraternidade<br />
europeia: «Qualquer que possa ser a hostilidade das nações europeias<br />
entre si, elas possuem, no entanto, em espírito, um parentesco<br />
íntimo particular que a todas atravessa e que transcende as diferenças<br />
nacionais. São, por assim dizer, nações irmãs, o que nos dá a consciência<br />
de nos encontrarmos em nossa casa no interior deste<br />
círculo» 115 . Há, pois, na Europa, algo sui generis, uma herança comum,<br />
uma profunda unidade que subjaz às suas diferenças.<br />
Tratar-se-ia de manifestar, pela reflexão filosófica sobre a história<br />
espiritual da Europa, essa finalidade implícita, esse telos espiritual<br />
comum a toda a comunidade europeia, que envolve o telos particular<br />
das diversas nações e mesmo <strong>do</strong>s homens individuais; inquirin<strong>do</strong><br />
sobre a unidade de Europa, demarca o europeu <strong>do</strong> não-europeu,<br />
mesmo que este habite no mesmo espaço geográfico. Ora, a ideia de<br />
Europa não pode ser dada para sempre no passa<strong>do</strong>, determinada por<br />
um telos trans-histórico e orientada pelo eterno e universal, que permaneceria<br />
incólume através <strong>do</strong>s tempos; neste ponto, e ao invés da<br />
visão husserliana, «autista e eurocêntrica» 116 , Europa é um projecto,<br />
formula<strong>do</strong> por uma tradição, revisível e controversa, como tal desenvolvida<br />
em discussão e diálogo no espaço público.<br />
c) O espírito europeu: liberdade, história, ciência<br />
DIACRÍTICA<br />
Em 1946, Karl Jaspers (1883-1969) escreveu sobre Europa, revigoran<strong>do</strong><br />
de um outro mo<strong>do</strong> as concepções anteriores. Sabemos que a<br />
filosofia de Jaspers, inscrita no quadro <strong>do</strong> imenso sofrimento humano<br />
provoca<strong>do</strong> por uma das mais cruéis guerras da história, que teve<br />
Europa como cenário temível e terrível, numa época dilacerada por<br />
<strong>do</strong>r inimaginável, não poderia deixar de inquirir sobre o colapso <strong>do</strong><br />
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115 Ib., pp. 30-31 Cf. João Paisana, op. cit., pp. 5-6.<br />
116 Cf. João Paisana, op. cit., p 83.