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Baixar - Proppi - UFF

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começavam a falar extra-oficialmente. Eles podiam ser interrompidos por Bruno para<br />

formalizar esse ato e chamar alguém da defensoria. Aconteceu isso na situação de<br />

Carlos Alonso. Também podiam falar e dialogar com Valeria ou outro funcionário da<br />

UFI, como o fez fluidamente Lorenzo, sem nenhum funcionário da defensoria intervir<br />

na situação. Lorenzo era consciente disso; “isto não é um depoimento, é uma conversa”,<br />

advertiu Valeria. Outros podiam não ser tão conscientes, mas mesmo assim começavam<br />

falar, como Pedro Paulo com Diego ou Mario Suárez com Chico. Embora a decisão<br />

majoritária por parte dos defensores fosse por não ‘depor’, defensores e advogados com<br />

os quais conversei afirmavam serem muitos os “imputados” que manifestavam seu<br />

desejo por ‘falar’. Acontecia que, com a negativa formal de não-depor, os funcionários<br />

não registravam aquilo que o “imputado” fosse falar. ‘Apenas’ ouviam e interagiam,<br />

mas eram sempre falas “extra-oficiais”. Após o depoimento de Lorenzo, Valeria<br />

lembrou da seguinte situação.<br />

Os advogados dizem que não se pode ouvir os imputados quando falam; eu não<br />

registro nada do que eles dizem, mas também não posso fazer com que calem a<br />

boca. Lembro de um menino que veio a primeira vez e disse que não iria depor,<br />

mas me contou tudo. Depois veio com o advogado e contou outra versão. O<br />

advogado queria processar as testemunhas por falso testemunho. Acabei dizendo<br />

que o cliente dele tinha incontinência verbal e que lamentava que não tenha tido<br />

confiança nele como para lhe contar a verdade. Disse que não queria prejudicar<br />

o menino, mas que também as testemunhas não mentiam.<br />

Depor e falar, claramente, não eram coisas intercambiáveis. As falas geravam<br />

convicções, que permitiam, inclusive, avaliar se as testemunhas mentiam ou não.<br />

Contudo, elas não podiam ser registradas. A situação me fazia lembrar uma cena dos<br />

filmes norte-americanos sobre julgamentos que sempre me chamou a atenção. “O júri<br />

não considere a última resposta do réu”, dizia o juiz, após deferir a objeção da defesa ou<br />

da acusação. Os jurados tinham ouvido, mas não podiam considerar a informação no<br />

seu voto. Quando Valeria pediu para ler do meu caderno aquilo que Lorenzo teria dito<br />

sobre a escopeta, foi evidente que a fala de Lorenzo tinha sido considerada por ela,<br />

apenas não tinha sido registrada. A questão é que, diferentemente de qualquer decisão<br />

dos jurados norte-americanos, as decisões do pessoal da UFI deviam ser fundadas por<br />

escrito a partir das “provas” escritas no processo, o que não acontecia com as falas<br />

“extra-oficiais”.<br />

Meu caderno nada dizia sobre “a escopeta”. E nem sempre a fala “extra-oficial”<br />

aportava informação que fosse útil para a hipótese dos promotores. No entanto,<br />

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