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Baixar - Proppi - UFF

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A preparação da comida, o cuidado da casa, a higiene e a alimentação das<br />

crianças eram tópicos que voltavam de um depoimento a outro e guiavam as perguntas.<br />

As testemunhas não pareciam estranhar, nem se surpreender com o fato de serem<br />

questionadas sobre esses pontos. Em depoimentos de outros casos, tinha assistido certo<br />

assombro ou desconcerto das testemunhas com perguntas que elas mesmas não<br />

pareciam vincular ao processo. Neste caso, todos tinham respostas, e muitas vezes<br />

respostas específicas, sobre todos esses assuntos. Pareciam ser temas já observados,<br />

sobre os quais já tivessem conversado com os próprios protagonistas, ou bem<br />

comentado com terceiros.<br />

Contudo, se os tópicos eram pontos comuns entre as conversas informais (entre<br />

vizinhos, familiares e com os próprios “imputados”) e os depoimentos na UFI, a forma<br />

de formular as perguntas, no ambiente judicial, parecia colocar em jogo uma questão<br />

extra: o contexto da investigação judicial exigia determinar se Marisa ‘verdadeiramente’<br />

fazia o que dizia fazer. Por isso, a ênfase em não dizer o que ela ‘dizia’, mas o que a<br />

testemunha ‘via’. Quando depôs uma vizinha, amiga de Marisa, que manifestou ajudar<br />

muito Marisa com o cuidado das crianças, várias vezes foi enfatizado esse papel ocular<br />

da testemunha 208 :<br />

Alicia: além do que você acha, o que é que você via? Você viu ela os levando ao<br />

posto de saúde?<br />

Amiga: sim, ela levava um [filho] por vez.<br />

Valeria: ela dizia para você que ia ao posto de saúde, mas você não viu que ela<br />

fosse, né?<br />

Amiga: não, mas de repente estava com a caderneta [de saúde].<br />

Alicia: ela trocava a fralda dos bebês? Diz a verdade....<br />

Amiga: sim, eu acho que ela não se dava conta, para mim ela tem um problema,<br />

não sei o que é.<br />

Neste esquema de interrogatório, o valor dado àquilo que a pessoa via se<br />

destacava em relação a outros depoimentos, nos quais buscava-se o que ela opinava.<br />

Neste caso, a construção da personalidade de Marisa como alguém que “tinha um<br />

problema”, que “mente muito”, que “não se dá conta das coisas”, favorecia a falta de<br />

legitimação de sua fala e exigia das testemunhas um saber baseado na presença física no<br />

“local dos fatos” e no testemunho visual. O problema era que a maioria dos assuntos<br />

tratados era igualmente matéria de avaliação subjetiva, não apenas avaliáveis pela visão.<br />

208 Na sua análise do mito de Édipo, Michel Foucault menciona a passagem de uma “verdade” enunciada<br />

pelos deuses, ao valor dos “olhares de pessoas que vêm e lembram ter visto com seus olhos humanos: é o<br />

olhar do testemunho” (1995:47-48).<br />

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