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Baixar - Proppi - UFF

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Capítulo 5, quando o pai de um menino morto na porta da casa foi ver Valeria para<br />

indicar que o autor, segundo o que “se fala no bairro”, seria um tal Maurício, o<br />

Capenga, Valeria me disse que essas situações eram complicadas, porque o “bairro”,<br />

muitas vezes, repetia e difundia aquele “suspeito” indicado pela polícia, “apenas para ter<br />

um culpado”. No mesmo sentido, para Sebastián, o caso de Cacá mostrava claramente<br />

como o “bairro” tinha se mobilizado na busca de “um” autor do homicídio de Santiago.<br />

Para ele, ao mesmo tempo em que as informações do “bairro” eram “úteis” em termos<br />

de investigação, as mesmas podiam ser perigosas: “o bairro mesmo pode inventar<br />

suspeitos; naquele bairro todo o mundo ouvia, pela rua, falar de suspeitos do crime!”,<br />

dizia Sebastián. Por isso, ele opinava que devia haver um equilíbrio entre aquilo que o<br />

“bairro dizia” e aquilo que “a justiça afirmava e decidia”:<br />

Aquilo que o bairro diz não pode ser valorado porque o bairro diz muitas coisas<br />

e o bairro diz uma coisa para um vizinho e diz outra para outro. Contudo, eu<br />

acho que o saber popular não pode ser tão oposto do saber judicial. Se o “bairro<br />

diz” e o bairro diz muito, aliás, diz tudo, isso não poder ser alheio à justiça.<br />

Devem ser criados canais para que o que o bairro diga seja prova.<br />

Já vimos que os agentes policiais e os judiciais conheciam, criavam e se valiam<br />

de mecanismos para realizar essa passagem dos “ditos” à “prova judicial”. Era essa uma<br />

exigência formal do sistema jurídico que os agentes deviam administrar através das<br />

ferramentas que o ‘saber judicial’ lhes fornecia. Testemunhas de identidade reservada,<br />

“allanamientos”, citação de testemunhas diretas e indiretas, registro escrito de<br />

informações, eram algumas das ferramentas que permitiam fazer essa passagem. Uma<br />

outra questão era a avaliação sobre ‘quando’ era pertinente fazê-la: quando os “dizeres”<br />

do bairro deviam ser transformados em “provas”?<br />

Como demonstrei ao longo da tese, a investigação judicial, durante a etapa de<br />

instrução, resultava dos avanços e retrocessos, guiados por uma hipótese condutora. Tal<br />

hipótese estava, em parte, orientada pelas informações inscritas no processo e por outras<br />

surgidas durante a investigação, mas não necessariamente registradas: os ditos “extraoficiais”<br />

de Lorenzo diante de Valeria, como daqueles outros “imputados” que<br />

“falavam, mas não depunham”; as emoções e gestualidades não transcritas no registro<br />

escrito; as percepções dos agentes sobre ter “acreditado ou não” nas testemunhas, entre<br />

outras. Ambos os tipos de informações – registradas e não registradas- estavam também<br />

informadas pela experiência anterior dos agentes em outros casos e pelas rotinas de<br />

trabalho – quer dizer, pelo domínio do ‘saber judicial’. E todas essas variáveis estavam,<br />

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