01.06.2014 Views

Baixar - Proppi - UFF

Baixar - Proppi - UFF

Baixar - Proppi - UFF

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

forma mais loquaz, excepcionalmente liam textualmente as comunicações, costumavam<br />

apresentá-las em pé, às vezes fazendo uso do quadro, ou da exibição de fotos. A forma<br />

de apresentação de nossas comunicações estava mais amarrada ao texto escrito; sempre<br />

sentados, sem muita mobilidade corporal ou gestual, com o tom monocórdio que a<br />

técnica de leitura favorece. A oralidade como forma de comunicação acadêmica<br />

parecia-me, na época, estar melhor desenvolvida entre os colegas brasileiros do que<br />

entre nós, argentinos 260 .<br />

Quando me deparei com as formas de oralidade e comunicação observadas nas<br />

sessões do Tribunal do Júri, este contraste com tais formas nas práticas judiciais<br />

argentinas se aprofundou. Não era apenas a percepção de uma maior desenvoltura oral e<br />

cênica. Eram também formas de expressão, regras de etiqueta e referenciais dos<br />

discursos ensejados, que observava como diferentes. Em uma entrevista com uma<br />

defensora oficial atuante no departamento de Los Pantanos na etapa de juicio oral,<br />

talvez pela negativa, as diferenças começaram a aparecer para mim de forma explícita.<br />

Ela me contava de um juicio por “roubo” em uma loja de comestíveis. Na fase de<br />

instrução, a dona da loja teria dito que, embora estivesse atrás da geladeira, estava<br />

convencida de reconhecer na voz do “autor” a voz de um “rapaz do bairro”, chamado de<br />

Saul. No juicio, continuou me contando a defensora, a senhora teria dito que “a voz<br />

tinha lhe parecido” ser a daquele jovem, ou seja, que não estava tão convencida assim.<br />

Aí eu comecei com as perguntas, fui bastante insistente e comecei a apertar até a<br />

senhora dizer “a verdade é que não o vi e não sei se a voz que ouvi era dele ou<br />

de meus funcionários”. Bom, o promotor ficou muito chateado, reteve a<br />

testemunha e, depois, os juízes a chamaram de novo, eu me opus, gritei, berrei e<br />

nada. Quando foi minha vez de alegar, o promotor e o tribunal foram embora<br />

muito chateados, se levantaram sem me cumprimentar, porque eu citei para eles<br />

“Alice no país das maravilhas”; quando a rainha vai com Alice e lhe mostra o<br />

preso: “esse que está aí está preso, mas o julgamento será recém na próxima<br />

quarta-feira e o crime será cometido no final”. E é o que acontece, mas ficaram<br />

muito chateados. E eu terminei a alegação [ela ri, enquanto se lembra e me<br />

conta] com a frase do bispo Romero, de El Salvador, “a justiça como a serpente<br />

260 A etnografia de Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto (1999) sobre as práticas acadêmicas em três cursos<br />

superiores no estado do Rio de Janeiro destaca o predomínio das formas orais de transmissão de<br />

conhecimento no ensino universitário (1999:55). Ele vincula a legitimidade da oralidade no âmbito<br />

acadêmico com as técnicas de expressão e comunicação a ela associadas. “Esta consagração da oralidade<br />

como um valor também aponta para os mecanismos que permitem sua operacionalidade em relações<br />

carismáticas. Isso se expressa no desempenho dos professores, através da utilização de técnicas de<br />

oratória, como a impostação da voz, a gestualidade, o repertório de teorias, casos e exemplos passíveis de<br />

serem mobilizados de modo a manter a atenção da turma em constante estado de mobilização (...)”<br />

(1999:86). A associação permite fortes vinculações com as conclusões que Alessandra Rinaldi (1999)<br />

apresenta para sua etnografia da oralidade no Tribunal do Júri, já referida.<br />

353

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!