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Baixar - Proppi - UFF

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Marisa: em casa. Isso que dizem é depois do que aconteceu com Rodrigo, Silvia<br />

apareceu de novo agora porque queria tirar a menina [Sabrina] de mim.<br />

Valeria: se não fosse por ela você teria outra filha morta! Então não fale<br />

vingativamente!<br />

Marisa: não, mas em tal caso não é por Silvia, mas por Mercedes. Todos os<br />

vizinhos que depuseram aqui, já que estão com isso dos vizinhos, eles são das<br />

manzaneras, que lhes dão para assinar por uma caixa de comida e não são do<br />

meu bairro.<br />

A partir das últimas respostas, Valeria pareceu se indignar cada vez mais com<br />

Marisa. Suas intervenções foram crescendo ao longo do depoimento, enquanto Alicia<br />

tomava notas e intercalava perguntas concretas. Outros atores, além de Marisa, Carlos e<br />

seus filhos, ‘intervinham’ no relato. “Isso que dizem” demonstrava o conhecimento de<br />

Marisa sobre o que se comentava no bairro e também sobre aquilo que o “bairro”, ou os<br />

“vizinhos”, falavam na Justiça. A disputa que Marisa refletia com Silvia e outros<br />

“vizinhos” – “não ajudavam”, “só apareceu agora”, “quer tirar a menina de mim”, “não<br />

são do meu bairro”-, era vista por Valeria e Alicia como uma falta de reconhecimento<br />

de Marisa com pessoas que tentaram ajudá-la nas suas dificuldades para lidar com seus<br />

filhos. Rejeitar essa ajuda e desconhecê-la não contribuía para a criação de uma imagem<br />

positiva de Marisa. Ao tempo que reforçava uma comunhão de valores morais com a<br />

mesma indignação que tal rejeição da ajuda provocava no “bairro”. Para justificar essa<br />

rejeição e os comentários “maliciosos”, Marisa marcava um distanciamento com<br />

aqueles vizinhos que teriam deposto contra ela – “não são do meu bairro”. Quem fosse<br />

do “bairro”, segundo ela, não falaria essas coisas, representando o “bairro” e o ser<br />

“vizinho” como um lugar de apoio e solidariedade 198 .<br />

Enquanto essa percepção negativa se afirmava, Marisa continuou, ao longo do<br />

depoimento, marcando ainda mais um distanciamento e oposição com os “vizinhos”.<br />

Parecia-me, similarmente a outros casos na UFI e no caso do julgamento de Dario, que<br />

o “bairro” estava longe de ser definido por suas proximidades ou distâncias geográficas,<br />

mas por fronteiras sociais que envolviam valores e pertencimentos comuns a um<br />

universo e alheios e/ou opostos a outro.<br />

198 Na etnografia de Sayad sobre o bairro da periferia de Paris, é interessante como aparece essa<br />

associação entre a idéia de “ajuda” e a definição de um “bairro” e dos “vizinhos”. Como venho<br />

argumentando, no caso da senhora francesa entrevistada por Sayad, fica claro que tal definição não se<br />

corresponde com distâncias geográficas, mas sociais e morais. A senhora diz: “Eu posso sair o dia inteiro,<br />

passear pelos arredores ou passar horas e horas na praça diante de minha casa, ninguém me diz ‘bom dia’,<br />

todavia não é falta de gente. Não há mais ninguém, não resta nada do antigo..., dos antigos moradores<br />

deste bairro. Não se conversa mais, não há mais vizinhos, não se pode contar com ninguém, não se presta<br />

mais ajuda. Tudo isso foi embora. Não há mais vida no bairro” (1997:46).<br />

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