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Baixar - Proppi - UFF

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fugido. “Acreditou” porque ela mesma conhecia a comisaría e sabia de sua<br />

precariedade. Não ter podido controlar que um preso fugisse era um relato, aos olhos de<br />

Valeria, verossímil.<br />

Geralmente, os elementos de contraste eram outros depoimentos orais. A tarefa<br />

de valorar a credibilidade das testemunhas requeria da percepção dos funcionários um<br />

permanente diálogo com a hipótese sobre o “fato” que eles mesmos sustentavam. Pedro<br />

disse que só tinha acreditado na mãe de Pablo Santana. “Não sei por que, é uma<br />

sensação”. Segundo ele, cada um dizia uma coisa diferente. Ergo, alguém estava<br />

mentindo. A versão da mãe era a mais próxima àquela registrada pela polícia e tinha<br />

sido a única que não manteve uma defesa incondicional de Pablo. Pedro avaliou a irmã<br />

“ter defendido Pablo à morte” e a concubina ter mostrado medo, destacando o fato de<br />

Pablo ter esperado ela fora da UFI. Aos olhos de Pedro, a posição da mãe, além de bater<br />

com o registro da polícia, também parecia, justamente por admitir o cansaço e o caráter<br />

difícil do filho, a versão menos influenciada. A mais sincera, no processo “dos<br />

mentirosos” 181 .<br />

Ao mesmo tempo, Valeria disse para a mãe de Lucas Martín que não falasse<br />

sobre a detenção do filho, “porque era a mãe e vai me contar coisas que eu não vou<br />

acreditar”. Nesse caso, a mãe de Lucas contava que o filho estava preso por outro<br />

processo, mas que, na verdade, não devia estar preso por nenhum deles, porque “era um<br />

bom garoto, apenas a droga tinha complicado a vida dele e de todos”, se referindo à<br />

família. A defesa do filho, reação esperável na nossa sociedade, era já um pressuposto<br />

incorporado na avaliação dos funcionários como parâmetro de credibilidade da<br />

testemunha. Era, pois, um depoimento próximo demais para ser considerado por si<br />

mesmo valioso, ou crível. Isso não queria dizer que, quando parentes próximos se<br />

apresentassem na UFI, seja como testemunhas ou mesmo para “conversar” com os<br />

funcionários, não fossem ouvidos. Pelo contrário, Valeria, sobretudo, manteve longas<br />

conversas com mães de “imputados” ou “vítimas”. Além de receber as pessoas que<br />

demandavam ser atendidas, era uma forma de criar proximidade. Ao tempo em que<br />

181 Ao sistematizar meus dados de campo, fui percebendo pontos comuns na avaliação por parte dos<br />

funcionários da credibilidade das testemunhas. Ajudou-me para pensar essas variáveis a etnografia já<br />

mencionada de Lawrence Rosen. Ele destaca que, no direito islâmico, existe um conjunto de critérios de<br />

valoração dos depoimentos que conduzem as decisões para uma direção ou outra. Os depoimentos<br />

positivos (aqueles que afirmam que alguma coisa aconteceu) têm maior valor que os negativos (que<br />

negam que tenha acontecido) e também os depoimentos criticando o caráter de uma das partes têm maior<br />

valor que aqueles que, ressaltando suas características positivas, dão apoio a ela (1989:43).<br />

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