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Baixar - Proppi - UFF

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“família” não é só alvo de benefícios e/ou castigos, mas também produto de uma<br />

construção ideal e ideológica específica 218 . Ela determina os direitos e obrigações<br />

familiares desejadas como legítimas pelo ordenamento jurídico. Valeria e Alicia –<br />

especialmente esta última devido a sua experiência na justiça cível- eram conscientes de<br />

tais expectativas normativas e as faziam valer nos seus julgamentos e decisões no caso<br />

de Marisa e Carlos.<br />

Esses modelos ideais do ordenamento jurídico se combinavam e interagiam com<br />

as representações morais sobre as relações familiares dos próprios agentes judiciais e<br />

dos envolvidos nos conflitos tratados por estes últimos. Dessa forma, nas suas decisões<br />

Valeria e Alicia também colocavam em jogo uma “ética familiar”, construída a partir<br />

dos valores morais presentes nos depoimentos do “bairro”, dos profissionais ligados a<br />

ele e delas mesmas. Esses valores confluíam em torno das obrigações esperadas e não<br />

satisfeitas, na visão dessa ética, por Marisa e Carlos. “Assistência, alimentação e<br />

cuidados” eram, para essa ética, expectativas e valores básicos dos pais para com seus<br />

filhos.<br />

Como vimos, essas obrigações familiares eram atreladas a um critério particular<br />

de “limpeza” que, durante o processo, foi insistentemente indagado, avaliado e julgado.<br />

A “sujeira” percebida por todos os funcionários, desde o “allanamiento” e,<br />

posteriormente, traduzida nos comentários e valorações dos vizinhos e profissionais da<br />

prefeitura, foi um ponto central no julgamento sobre a responsabilidade de Marisa e<br />

Carlos sobre a morte do bebê. Embora a causa oficial da morte tenha sido o “estado de<br />

desnutrição”, a “sujeira” da casa era associada a este fato como sinal de “desordem e<br />

desorganização familiar”. O julgamento sobre esse aspecto mostrava a necessidade de<br />

restabelecer uma ordem doméstica transgredida aos olhos dos vizinhos e dos<br />

profissionais. A “sujeira” e o “descaso” podiam, desta perspectiva, ser vistos como<br />

ameaças sobre aqueles valores. Tanto do ponto de vista moral quanto jurídico, julgar<br />

essas atitudes negativamente era uma forma de expressar valores sociais essenciais, bem<br />

a Lei de “impedimento de contato” entre pais e filhos (n. 24.270) e em 1994 a Lei de “proteção contra a<br />

violência familiar” (n. 24.417). Para uma análise detalhada, ver Daich, 2010, em especial Capítulo 1<br />

“Familias, Conflictos y Justicia”.<br />

218 Collier, Rosaldo e Yanagisako (1997) assinalam as implicações de se entender a “família” não como<br />

uma instituição concreta desenhada para satisfazer necessidades humanas universais, mas como uma<br />

construção ideológica associado ao estado moderno.<br />

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