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valores e interesses no “fazer justiça” se fazia possível através da articulação e operação<br />

de duas categorias nativas: “crença” e “bairro”.<br />

A “crença” na “verdade”<br />

Em um livro já clássico, “A verdade e as formas jurídicas”, Michel Foucault sela<br />

uma associação filosófica e histórica entre “verdade” e “práticas judiciais”. Ele<br />

distingue entre uma “história interna da verdade” associada ao domínio da ciência e<br />

uma “história externa da verdade” vinculada a “outros sítios da sociedade nos quais se<br />

forma a verdade, onde se define um certo número de regras de jogo, a partir das quais<br />

vemos nascer certas formas de subjetividade, domínios de objetos e tipos de saber”<br />

(1995:17). As “práticas judiciais” constituem, para ele, um desses domínios onde são<br />

produzidas, sob certas regras, formas de “verdade”. A história dos “regimes de verdade”<br />

traçada por Foucault nesse livro constitui-se em uma referência fundamental sobre as<br />

formas em que, no Ocidente, foram estabelecidos sistemas de “averiguação da verdade”.<br />

De outro ponto de vista, seria possível traçar essa associação entre “verdade” e<br />

“práticas judiciais”, entendendo a “verdade” como uma categoria nativa de sistemas de<br />

justiça particulares. Como tal, a “verdade” teria significados diferentes dependendo do<br />

sistema no qual esteja imersa. Ela pode ser, assim, uma categoria referida por parte de<br />

agentes locais que participam desse sistema em situações diversas: na lei, na doutrina,<br />

nas decisões e/ou solicitações escritas, nas alegações e discursos orais em audiências de<br />

julgamento, bem como em variadas conversas e interações pela boca de profissionais<br />

como das pessoas envolvidas nos conflitos tratados pelo sistema. Essa visão também<br />

pode explicar que diferentes sistemas judiciais tenham diferentes formas de se referir e<br />

conceber a “verdade” por eles produzida 270 . Durante meu trabalho de campo, percebi o<br />

uso dessa categoria em diversos âmbitos e, mesmo neles, nem sempre adquiria o mesmo<br />

sentido.<br />

270 Roberto Kant de Lima (1996), por exemplo, tem enfatizado o contraste entre a noção de “verdade” no<br />

sistema jurídico brasileiro e aquela presente no norte-americano. Neste último, a “verdade” é entendida<br />

como sendo fruto de uma decisão consensual e negociada entre as partes. Já no sistema brasileiro ele<br />

aponta para existência de um “mosaico de sistemas de verdade” (o inquérito policial, o judicial e<br />

julgamento pelo tribunal do júri), mas todos eles guiados por um objetivo comum e último reconhecido<br />

para o processo criminal brasileiro: “a descoberta da verdade real”, também expresso na frase “a apuração<br />

da verdade dos fatos”. Segundo esta noção, a “verdade” que opera no sistema judicial brasileiro se opõe à<br />

“verdade formal” do processo, nunca pode ser negociada e é sempre produto da decisão de uma<br />

autoridade superior às partes. Ver também Figueira, 2007 e Teixeira Mendes, 2009.<br />

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