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Baixar - Proppi - UFF

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cinco filhos, sem ajuda do marido, com a mãe doente ‘devia’ ser, na opinião dela, uma<br />

explicação legítima diante dos acontecimentos posteriores: particularmente, a morte do<br />

bebê. Pois, esse último fato parecia-lhe, sim, um evento extraordinário –“senão não<br />

entendo como essa mulher não deu de comer a seu filho”. Extraordinário em relação a<br />

outros casos que conhecera, inclusive “muito mais pobres”, e, sobretudo, em relação ao<br />

papel esperado de uma mãe com seus filhos: a obrigação de alimentá-los. Não cumprir<br />

com tal dever moral só parecia explicável diante de uma situação de “piração” e<br />

“estresse”.<br />

Em um momento do depoimento, a assistente social, uma mulher jovem de<br />

aspecto informal, começou a chorar. Insistiu em que toda a situação tinha sido para ela<br />

muito difícil, porque chegou a se envolver pessoalmente.<br />

Depois, em março, não fui mais porque me aborreci pessoalmente com ela<br />

[Marisa] porque eu me matei para conseguir vagas na escola para todas as<br />

crianças e ela nunca as levou. Eu admito que isso me fez pessoalmente muito<br />

mal porque eu não tinha conseguido vaga para minha filha e ela desprezou o que<br />

tinha conseguido. Aí pensei que tinha que começar a separar as coisas e não fui<br />

mais. Junto com isso, também soube que tudo o que eu tinha dado para ela, ela<br />

não usava.<br />

O aborrecimento e a angústia pessoais levaram a assistente social a reavaliar sua<br />

dedicação neste caso e, de alguma forma, se afastar dele. Para além dessa decisão,<br />

pareceu-me que tais sentimentos tinham também outro significado. Quando comparados<br />

com outros casos “mais pobres”, e, ainda mais, com a própria situação pessoal dela (a<br />

filha que não conseguiu vaga na escola), o descaso de Marisa com o “cuidado” dos<br />

filhos e com as coisas que a assistente social tinha conseguido para ela lhe produziam<br />

aqueles sentimentos de indignação. De alguma forma, julgava-se Marisa e sua situação<br />

a partir do que “qualquer mãe” aspiraria para seus filhos: educação e, diante de uma<br />

situação difícil, alguém que a ajudasse. Um sentimento semelhante daquele suscitado<br />

nos vizinhos pela ingratidão de Marisa diante da ajuda externa: o leite, a comida pronta,<br />

o carrinho, a roupa.<br />

Diante do descompasso entre o que os depoentes imaginavam como um valor<br />

moral essencial e natural -o cuidado maternal- e as atitudes que avaliavam por parte de<br />

Marisa, diversas explicações e hipóteses eram apresentadas. Como vimos, uma<br />

personalidade “patológica”, uma “mulher submissa e dominada”, “a piração e o<br />

estresse” eram algumas delas. Também a médica do posto de saúde chegou a supor a<br />

possibilidade de Marisa vender o leite entregue para comprar droga, embora não<br />

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