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Baixar - Proppi - UFF

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houvesse nenhum elemento que indicasse uma relação de Marisa com uso de<br />

entorpecentes.<br />

As avaliações sobre os motivos para a atitude maternal atribuída a Marisa<br />

tinham, em todos os casos, como referência um parâmetro de “normalidade” para<br />

avaliar a “organização familiar” de Marisa e Carlos. A estranheza da cunhada ao ver<br />

fotos de crianças embaixo da mesa de Alicia inscrevia-se, ao meu ver, precisamente<br />

neste tipo de avaliação, segundo a qual era esperável de “toda família” ter fotos de seus<br />

filhos, como demonstração de interesse e carinho. Não era outra coisa a angústia da<br />

assistente social quando se aborreceu com Marisa por desprezar a vaga escolar que ela<br />

aspirava também para sua filha. Nesse contexto, a educação formal era outro valor<br />

essencial na criação de um filho.<br />

As relações familiares de Marisa e Carlos também eram contrastadas e julgadas<br />

em relação com outras famílias do entorno ou de outros “casos”. A médica no seu<br />

depoimento disse estar profundamente impactada com a falta de percepção de Marisa<br />

em relação ao peso dos gêmeos, porque, “inclusive crianças que vem do campo,<br />

paraguaios, perguntam pelo peso e essa mulher não era nenhuma adolescente, eu não sei<br />

o que é que deu na cabeça dela”. A comparação com outras situações, julgadas como<br />

materialmente piores, foram também retomadas e enfatizadas pela assistente social.<br />

O posto de saúde está localizado em um bairro de classe média [a três quadras da<br />

casa de Marisa], onde recém agora se está fazendo uso dele, porque antes as<br />

pessoas usavam o plano de saúde. Então a intervenção em saúde em uma área de<br />

maior risco, como pode ser uma villa [favela] é muito diferente porque a<br />

mobilização e a trama social nesses lugares é diferente; os vizinhos intervêm<br />

mais, os médicos vão casa por casa para vacinação, há outra estrutura, é mais<br />

portas abertas, as crianças estão fora das casas. Em um bairro é diferente, a<br />

intervenção da gente é voluntária, as casas são mais a porta fechada. (...) Em<br />

uma villa, essas coisas não acontecem, as crianças estão fora da casa, todos<br />

falam entre si, todos intervêm. Em um bairro de classe média, está o “no te<br />

metas” 209 , é a casa do outro, as portas são fechadas na cara da assistente social.<br />

Neste caso, havia alguma coisa do tipo, inclusive, da cunhada, tudo sai à luz<br />

quando o menino já está morto... Eu acho que, se bem é possível que Saúde<br />

tenha deixado escapulir alguma coisa, eu penso o que é que esta mãe fez para<br />

que um filho morresse de fome, não havia sinal de alarme; um menino com<br />

fome, chora.<br />

209 A frase “no te metas” é uma expressão típica na Argentina, comumente, embora não de forma<br />

exclusiva, atribuída ao comportamento da chamada “classe média”. Alguns historiadores a vinculam<br />

inicialmente ao posicionamento neutro adotado pela Argentina durante a primeira guerra mundial. Outros<br />

à “atitude indiferente” da classe média no golpe de Estado de 1930, contra o presidente da época Hipólito<br />

Yirigoyen.<br />

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