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Baixar - Proppi - UFF

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O depoimento continuou com perguntas sobre o dia da morte de Rodrigo. Como<br />

tinha sido a internação, os dias posteriores, as visitas no hospital, as conversas com o<br />

médico. No final, Alicia perguntou a Marisa se queria dizer mais alguma coisa:<br />

Eu quero que tudo se resolva, quero estar com meus filhos de novo, nunca quis<br />

fazer nada que lhes fizesse mal. Eu não quero mais ficar na comisaría, por que<br />

quando doe [a barriga] não me levam?<br />

A secretária disse que já tinha pedido um translado a outra unidade. Marisa<br />

ainda não voltaria para a casa. Na UFI tinham quinze dias para decidir se pediriam, ou<br />

não, a “prisão preventiva” dela. Quando Marisa foi embora, a secretária ficou<br />

conversando com Valeria e Alicia.<br />

Eu acho que é uma submetida, ela mesma acredita na sua própria mentira.<br />

[Valeria concorda]. Uma coisa é que mintam para você porque a querem<br />

convencer e outra coisa é quando eles mesmos nem se dão conta. Mas, nós<br />

sabemos, nos damos conta. Ela aqui repetiu literal o que disse na defensoria. Eu<br />

fiz as mesmas perguntas que Valeria.<br />

Valeria disse que fariam um exame com a psicóloga para avaliar o estado mental<br />

e o histórico dela. Também comentou que faltava ouvir o marido e ver o que ele tinha<br />

para dizer. A personalidade de ambos estava em jogo, como forma de definir as<br />

responsabilidades sobre o acontecido. A estrutura da família e da vida doméstica<br />

aparecia como indicador dessas personalidades e de suas capacidades de cuidado 199 . O<br />

julgamento ia muito além da morte de Rodrigo.<br />

Carlos e o “308”<br />

Um dia depois foi a vez de Carlos ser levado à UFI para depor. Desde o dia do<br />

“allanamiento”, estava preso na comisaría de Alameda. Carlos era um homem alto e<br />

corpulento. Usava bigode. Tinha cabelo abundante, com mechas pintadas de uma cor<br />

mais clara. Nasceu, havia 47 anos, no mesmo município onde morava e onde, naquele<br />

momento, se encontrava preso. Estava casado com outra mulher, de quem tinha se<br />

separado, mas não divorciado. Com ela tinha outros dois filhos. Mantinha com ela um<br />

relacionamento amigável; de fato, essa mulher tinha cuidado dos filhos dele com Marisa<br />

199 Utilizando diversos autores, na sua etnografia sobre a administração judicial de conflitos familiares na<br />

justiça criminal na cidade de Buenos Aires, Deborah Daich sugere a associação, em termos morais, das<br />

relações parentais com uma “ética do cuidado” (2010:126), bBaseada em duas noções reelaboradas por<br />

Carol Smart, caring for (como o ato de cuidado propriamente dito) e caring about (como um ato de<br />

preocupação). Interessa-me aqui ressaltar o fato das representações que associam o cuidado às obrigações<br />

morais das relações de parentesco não estarem apenas presentes nos discursos dos pais, em disputa por<br />

suas identidades no processo, mas também nos agentes judiciais, e nas eventuais testemunhas.<br />

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