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Baixar - Proppi - UFF

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juridicamente, apenas recebesse consultas de questões muito específicas, mas não sobre<br />

o andamento dos processos. Por sua vez, Valeria e Sebastián reconheciam em cada um<br />

dos “meninos” uma habilidade diferenciada que pouco tinha a ver com os cursos de<br />

graduação que seguiam (lembro que nem todos estudavam direito), com os anos de<br />

estudo ou com o desempenho acadêmico. As diferenças estavam na experiência<br />

adquirida em “Tribunales”, bem como nos estilos pessoais para “lidar” com os casos e<br />

com as pessoas envolvidas.<br />

Os “meninos” não era uma categoria exclusiva da UFI. Toda a estrutura judicial<br />

do conurbano (também da justiça federal) estava composta, em seus escalões inferiores,<br />

por pessoas sem formação jurídica que trabalhavam processos com a delegação<br />

informal de seus superiores. Juzgados de garantias, defensorias e promotorias<br />

respondiam a este esquema, naturalizado e fora de qualquer questionamento formal 268 .<br />

Assim, as habilidades reconhecidas nos funcionários não respondiam tanto ao<br />

conhecimento jurídico, como a experiência de trabalhar e ter trabalhado “em<br />

processos”.<br />

E trabalhar ‘em’ processos era reconhecido como diferente de trabalhar ‘com’<br />

processos. Este último, domínio do ‘saber jurídico’, priorizava a leitura e interpretação<br />

mediada das “provas” e dos relatos contidos e formalizados nos autos, em relação<br />

permanente com as normas legais, com a “doutrina jurídica” e com decisões já escritas<br />

para outros casos (“jurisprudência”) 269 . No primeiro, domínio do ‘saber judicial’, outras<br />

268268 Recentemente, enquanto escrevia estas linhas, a Revista Tribuna do Advogado da Ordem de<br />

Advogados do Estado do Rio de Janeiro (OAB/RJ) anunciava: “Após denúncia da OAB/RJ, juíza que<br />

delegava condução das audiências a servidoras é afastada”. A juíza em questão presidia em dois<br />

municípios da Baixada Fluminense os juizados especiais cíveis e criminais. Descobriu-se que a juíza<br />

marcava audiências para os mesmos dias e horários, sendo as mesmas realizadas por duas servidoras, sem<br />

presença da juíza-titular. A “irregularidade” foi noticiada pela imprensa escrita (Jornal O Dia) em uma<br />

série de reportagens e, posteriormente, denunciada pela OAB e investigada pela Corregedoria Geral da<br />

Justiça. Além das sanções administrativas e disciplinares com as funcionárias, o Ministério Público<br />

solicitou a anulação das decisões tomadas naquelas audiências e a OAB pediu a apuração dos crimes de<br />

“falsidade ideológica” para a magistrada e “usurpação de função pública” para as servidoras. Revista<br />

Tribuna do Advogado, Agosto / 2010, Ano XXXVIII, Número 494, pagina 10.<br />

269 Esta distinção entre trabalhar ‘com’ processos e ‘em’ processo pode ser igualmente repensada nos<br />

termos do trabalho de Letícia Barrera sobre “um dispositivo da burocracia judicial, o expediente,<br />

[abordado] com o fim de estudar as formas de intervenções feitas pelos sujeitos que criam os<br />

expedientes” (2009:222). O trabalho de Barrera se desenvolveu em um âmbito específico de autuação<br />

judicial: a Corte Suprema de Justicia de la Nación (semelhante, no Brasil, ao Supremo Tribunal Federal).<br />

Nessa instância, a atividade judicial se desenvolve exclusivamente através de expedientes, sendo que só<br />

tratam sobre as decisões já tomadas por tribunais de instâncias inferiores, não tendo contato nenhum com<br />

as partes envolvidas. Esta particularidade permite uma análise interessante sobre o trabalho ‘com’<br />

processos, na qual ela destaca que, do ponto de vista dos agentes que “criam esses documentos”, é<br />

possível perceber “uma forma paralela na qual os expedientes tornam visíveis os sujeitos dessas práticas<br />

documentais, não só como objetos ou coisas, mas como relações e pessoas” (2009:234). Dessa<br />

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