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Baixar - Proppi - UFF

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tradição ocidental, o uso dos sentimentos como ferramenta de decisão judicial. O certo é<br />

que a atitude de todos os envolvidos – o choro de Carlos, a emoção de Alicia, a nãoemoção<br />

de Valeria- transluziam-se nas avaliações posteriores por elas manifestadas, não<br />

sobre o acontecido pontualmente, mas sobre a personalidade dos “imputados”.<br />

Em quem acreditar?: o “perfil psicológico”<br />

O depoimento de Carlos aconteceu em uma sexta-feira à tarde, um horário em<br />

que poucas pessoas ficavam trabalhando em Tribunales. Quando Carlos foi embora, a<br />

defensora ficou um bom tempo conversando com Valeria e Alicia. Ela comentou que<br />

ainda não tinha visto Marisa (a entrevista tinha sido com a secretária). Manifestou<br />

interesse em encontrá-la: “eu esperava que ela dissesse o que sempre se diz em outros<br />

processos, mas não, ela vive no mundo da lua”. Parecia que, se, por um lado, a<br />

defensora enquadrava o caso junto com outros processos semelhantes, nos quais ela<br />

tinha uma experiência e expectativa sobre o que ouviria dos “defendidos”, por outro<br />

lado, Marisa e a versão dada por ela fugiam desse padrão 204 . “Ela é uma mentirosa<br />

compulsiva”, opinou Valeria. “Sim, mas ela acomoda as coisas, isso é que me<br />

incomodou, eu não acreditei nela; nele sim, por isso fiquei mal”, disse Alicia. “A louca<br />

é ela, deve lhe mentir [ao marido] que faz as coisas, quase perversa, no início achei que<br />

ele fosse doente, mas ele não é não”, disse Valeria.<br />

As avaliações sobre o perfil psicológico de Marisa e de Carlos estavam baseadas<br />

nas impressões e percepções que Valeria e Alicia, e também a defensora, tinham<br />

formado deles nos encontros mantidos no âmbito judicial. Em casos com este,<br />

envolvendo relações familiares, ou também de proximidade, como no caso de Esteban<br />

Garza e Patrícia Juárez, da facada na loja de comestíveis, ouvi este tipo de comentários<br />

com freqüência. Eles se davam junto com a intervenção da psicóloga do Ministério<br />

204 Volto aqui à idéia de Baudouin Dupret (2006) quando afirma que todo trabalho judicial está inserido<br />

em um contexto burocrático e rotineiro, o que, de forma alguma, exclui a engenhosidade e criatividade. O<br />

ponto que Dupret quer enfatizar é o fato das regras e decisões jurídicas estarem integradas em um quadro<br />

mais amplo de outros casos e de um certo número de técnicas empíricas desenvolvidas para tratá-los<br />

(2006:162). “As decisões para certos tipos penais –diz- são de um repertório limitado. São transmitidas a<br />

partir do conhecimento dos mais antigos, da experiência de seus predecessores (...) elas nascem da<br />

prática, fazendo frente a situações novas. (...) Existe uma acumulação de saber onde são remetidos os<br />

casos particulares” (2006:160). Nas freqüentes conversas entre funcionários da UFI, deles comigo e deles<br />

com outros funcionários, era muito comum, por exemplo, eles se remeterem a contar casos já trabalhados,<br />

seja como modo de resolver consultas sobre casos pontuais, seja como forma de traçar particularidades<br />

não só dos casos, mas das decisões tomadas. Costume que, aliás, eu apreciava muito porque me dava<br />

acesso a vários casos e, sobretudo, as histórias a eles associadas em Tribunales.<br />

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