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Baixar - Proppi - UFF

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observou sua irmã machucada. Durante o dia, o único que tinha era água e erva<br />

mate para o chimarrão e um maço de cigarros. Que quem primeiro comia era ele<br />

[Carlos] e depois, se sobrasse, dava para as crianças. Quanto à sua irmã, para a<br />

depoente não estava bem da cabeça (...)”. (Da ata judicial do depoimento da<br />

irmã)<br />

No depoimento do cunhado de Marisa, também chamou minha atenção o fato de<br />

muitas informações por ele mencionadas virem de boca ou por conhecimento dos<br />

“vizinhos”. O certo é que, fora da família, também os vizinhos se constituíram em<br />

testemunhas do processo. Embora não tenham sido muitos aqueles que efetivamente<br />

depuseram formalmente no mesmo, as vozes deles e do “bairro” como um todo<br />

estiveram presentes ao longo da investigação. Seja por conversas com os policiais, seja<br />

no momento do “allanamiento” com Alicia e Valeria, ou mesmo, de forma impessoal,<br />

através de voz de outros vizinhos, familiares ou dos mesmos “imputados”. A primeira<br />

vizinha em depor na UFI foi Silvia, aquela que já tinha se apresentado na comisaría.<br />

Que a depoente conhece a mãe dos filhos há 30 anos, sendo uma menina tímida,<br />

introvertida, com certo grau de retraso [mental], tendo concluído o primeiro grau<br />

já adulta, sendo uma menina coitada com problemas. Antes de se juntar com<br />

Carlos pelo menos tomava banho e se arrumava um pouco, mas uma vez que se<br />

juntou com esse cara a coisa piorou, dado que começou a ter filhos, sem se<br />

ocupar de nenhum deles, as crianças estavam sempre na rua, descuidadas, sujas e<br />

sem comer. Não se podia passar pela porta da casa pelo mau cheiro que a casa<br />

emanava, estando a mesma toda fechada, dado que as crianças comiam porque<br />

as pessoas do bairro os ajudavam e lhes davam de comer. Deixando constância<br />

que o pai das crianças, de nome Carlos, é um dandy sempre impecável,<br />

gordinho, bem vestido, até com carro, enquanto ela [Marisa] está pele e osso,<br />

desalinhada; igual às crianças. (...) Quanto ao dia em que internaram um dos<br />

gêmeos, diz que distribuíram as crianças entre os vizinhos, ficando a depoente<br />

com a menina de 9 meses, sendo que ela estava totalmente desnutrida, dando<br />

banho nela várias vezes porque era evidente que nunca tinham lhe dado banho.<br />

Mas à noite teve que devolver a menina, bem como o fez o resto dos vizinhos,<br />

porque Marisa disse que senão apanharia do marido. (...) Elas estariam melhor<br />

em um orfanato do que em mãos dos pais. (Da ata judicial do depoimento de<br />

Silvia)<br />

Os depoimentos enfatizavam outro aspecto que seria uma e outra vez repetido ao<br />

longo do processo. Os vizinhos ‘oferecendo’ ajuda -comida, cuidado, roupa- e Marisa<br />

‘rejeitando’ essa ajuda e, inclusive, ocultando as crianças do olhar externo. Assim,<br />

embora Carlos aparecesse como um marido dominador, talvez até egoísta, também<br />

Marisa aparecia, nas opiniões de familiares e vizinhos, como uma mãe que não dava<br />

conta dos filhos; mais preocupada com o atendimento e o cuidado de Carlos do que das<br />

crianças. Se essa situação podia ser compreendida por alguns sob o argumento do efeito<br />

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