01.06.2014 Views

Baixar - Proppi - UFF

Baixar - Proppi - UFF

Baixar - Proppi - UFF

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

(...) Ela tinha a manzanera que lhe dava a comida, o padeiro que lhe dava pão e<br />

facturas e o verdureiro que lhe dava legumes, mais aquilo da prefeitura, duas<br />

vizinhas jovens que iam ser madrinhas dos gêmeos que estavam por aí pelo<br />

entorno do bairro. Minha primeira impressão era que era uma mãe atolada, com<br />

um marido abusivo, mas depois vi que tinham apoio. Eu, no primeiro relatório,<br />

coloco “escassa rede social”, mas depois me dei conta que não, porque os<br />

vizinhos até iam com a comida pronta. (...) Tempo depois tomo conhecimento da<br />

internação do bebê e de que as outras crianças estavam todas distribuídas, então<br />

aí digo para Marcela que faça a denúncia e os vizinhos dizem que ela apanhava<br />

do marido. Igual eu falo de ouvido porque nunca a vi marcada e é um assunto<br />

sobre o qual conversávamos.<br />

Alicia: o peso do bebê não chamava sua atenção?<br />

Assistente social: sim, mas primeiro eu achei que fosse porque era prematuro.<br />

Alicia: mas com oito meses, três quilos?!<br />

Assistente social: nem me fale porque me dá dor de estomago e volto às<br />

lágrimas. É que eu me senti mal, porque somado à culpa pessoal, estava o que<br />

diziam os vizinhos que eu não sabia e pensei “isso aqui me escapuliu”. Fizemos<br />

muitas pequenas intervenções, medicamentos, leite, roupa, mas eu nunca achei<br />

que tudo fosse acabar assim. Pelos comentários dos vizinhos o que diziam é<br />

“com certeza que foi o gordo que comeu tudo”.<br />

A “ajuda” recebida voltava a dar protagonismo aos “vizinhos”. A mesma parecia<br />

jogar como uma faca de dois gumes. Se, por um lado, mostrava uma atitude solidária e<br />

generosa dos “vizinhos”, por outro, o fato de não ter sabido aproveitar “toda” a ajuda<br />

dos “vizinhos” era visto negativamente. Como ter desprezado um valor que nem todo<br />

mundo tem a oportunidade de receber. Por isso, os rechaços de ajuda por parte de<br />

Marisa, a falta de agradecimento, o descaso de Carlos com os presentes, as reclamações<br />

de Marisa de “não receber” ou “não cumprir” por parte dos outros, quebravam um<br />

vínculo social –solidário- que poderia ter impedido, na visão da assistente social, que<br />

“tudo fosse acabar assim”. Diante da ajuda de todos (vizinhos, padeiro, verdureiro,<br />

manzanera, vizinhas jovens, prefeitura), diante da “rede social” e o “entorno do bairro”,<br />

ter chegado à morte do bebê parecia imperdoável. Havia uma rede de reciprocidades<br />

não correspondidas, que, em outros momentos do depoimento, a profissional<br />

manifestaria ter sentido em carne própria.<br />

No relato da assistente social, os “vizinhos diziam” que ela apanhava do marido,<br />

que Carlos os ameaçava, que comia tudo, que era violento, que vendia as coisas que as<br />

crianças ganhavam dos vizinhos, que jogava fora a roupa suja, que ganhava mais<br />

dinheiro do que manifestava. Através da voz dos “vizinhos”, já que a assistente social<br />

só tinha cruzado com Carlos uma vez, manifestava-se sua avaliação sobre a atitude e o<br />

comportamento de Carlos, apesar dessas informações serem “de ouvido”. O papel de<br />

260

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!