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Baixar - Proppi - UFF

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de instrução fossem incorporados “por leitura” 244 . Quer dizer, fazendo do juicio oral<br />

uma revisão e reprodução das “provas” já reunidas e interpretadas na etapa que, em<br />

todos esses casos, tinha concluído com a acusação do “imputado”.<br />

A exclamação deste advogado - “com um preso!”- correspondia ao fato dos<br />

processos com “imputados” presos terem prioridade na agenda do tribunal em relação<br />

àqueles com “imputados” em liberdade. Esta distinção também supunha outra entre<br />

processos mais graves (geralmente crimes nos quais se optava pela prisão preventiva do<br />

“imputado”) e menos graves. Conversando sobre o juicio, uma defensora pública,<br />

atuante na etapa de juicio em Los Pantanos, fazia a seguinte ponderação.<br />

Defensora pública: o juicio para mim muitas vezes é uma espécie de ficção<br />

jurídica porque, em definitivo, não faz mais do que recriar aquilo da instrução,<br />

incorporar tudo por leitura.<br />

Lucía: isso tem a ver com o tempo transcorrido até chegar ao juicio?<br />

Defensora pública: tem a ver. Às vezes o tempo nos serve aos defensores como<br />

ferramenta para brincar com a memória da testemunha, porque esta é muito<br />

frágil, então pode nos servir. Serve-nos também para suavizar os rigores. Como<br />

me aconteceu agora em um juicio pelo roubo de um Peugeot 504 há quatro anos.<br />

Nesses casos eu sempre faço a mesma pergunta, porque você tem que ver o<br />

perfil do senhor e tudo, aí eu digo: “senhor, o seguro pagou seu carro?”, “sim,<br />

sim”, “e agora qual carro tem o senhor?”, “não, agora tenho um 307”. Então, o<br />

dano atravessado de alguma forma já passou. Ora, se você vê a vítima que chega<br />

destroçada porque aquele 504 era seu único carro, que com o dinheiro do seguro<br />

teve que comprar os medicamentos para a mulher que teve um infarto no<br />

momento do roubo, é claro que você tem que ver como vai perguntar.<br />

Geralmente, sobretudo nos crimes contra a propriedade, o tempo mais que contra<br />

joga a nosso favor, porque a vítima já recuperou os bens, ou os trocou ou em<br />

definitivo não lhe produziu tanto prejuízo no curso da sua vida. Porque, é como<br />

tudo, de repente você tem alguma coisa, mas as coisas são coisas, então você<br />

pode ter essa bonequinha que ganhou de sua avó, mas um dia ela quebra, você se<br />

lamenta um dia, se lamenta dois e depois se esquece, você compra outra mais<br />

bonita e esquece. Pelo contrário, naqueles processos em que se julgam fatos<br />

como atentados contra a vida, a honra, a liberdade, o tempo às vezes joga contra<br />

porque você submete a vítima ao esforço de relembrar tudo e aí volta o trauma,<br />

porque, vamos combinar, para estas meninas [assinala um processo] que foram<br />

estupradas em 2004 talvez hoje ter que voltar a lembrar isso é muito ruim e no<br />

juicio isso vai ser percebido e isso joga contra nós.<br />

Oralidade, ficção jurídica, recriação, memória, tempo transcorrido, dano sofrido,<br />

trauma, expressão e percepção dos sentimentos, particularidades dos casos. No primeiro<br />

dia do juicio de Cacá iria me confrontar com estas questões. Havia quase três anos que<br />

244 Isto é, fossem incorporados como “prova” do julgamento tal qual foram inscritos nas atas da instrução,<br />

sem possibilidade da defesa interrogar as testemunhas.<br />

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