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Baixar - Proppi - UFF

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dúvida de Alicia novamente manifestava a falta de credibilidade que esta última tinha<br />

provocado nela.<br />

Alguns dias antes do último depoimento testemunhal, a defensora oficial de<br />

Marisa e Carlos ligou para a UFI. Eu ouvia a voz de Alicia dizendo para ela: “eles têm<br />

uma personalidade complicada; ele é egocêntrico e auto-centrado”. Passados alguns<br />

segundos, Alicia respondeu: “não, não, ‘34’ não são”. Referia-se à possibilidade de<br />

considerá-los “não puníveis” “por falta de consciência, alienação ou falta de<br />

compreensão das ações imputadas, devido à insuficiência de faculdades” (inciso 1,<br />

artigo 34 CPA). Com a resposta negativa à defensora oficial, Alicia afirmava o que<br />

Valeria já teria dito desde o início do processo: Marisa e Carlos podiam ter problemas<br />

pessoais, de histórico familiar e até mentais, mas eram criminalmente responsáveis pelo<br />

“fato imputado”: a morte de Rodrigo e as lesões de Sabrina.<br />

A esta altura do processo, a psicóloga do Ministério Público já tinha sido<br />

entregue e anexado seu relatório ao processo. Ao final, as palavras da psicóloga davam<br />

conta de opiniões semelhantes às vertidas por Alicia e, finalmente, por Valeria, nas<br />

conversas informais, após elas ouvirem as testemunhas e os próprios “imputados”.<br />

Diante desse acordo, foram utilizadas como parte das “provas”. A solicitação de “prisão<br />

preventiva” escrita por Alicia e assinada por Valeria transcrevia também boa parte dos<br />

ditos das testemunhas registrados por escrito. Eles direcionavam-se a mostrar a<br />

responsabilidade por falta de cuidado e de atenção com seus filhos por parte de Marisa e<br />

Carlos. Essa era a principal acusação. A caracterização de seus perfis psicológicos, os<br />

dizeres dos vizinhos, familiares e profissionais, conforme perspectiva de Alicia, e tudo<br />

aquilo visto e registrado no “allanamiento” eram as “provas”.<br />

É preciso notar que todos os depoimentos que antecedem são contestes 216 em<br />

assinalar que nenhum dos pais, a saber, os imputados, se ocupava de seus filhos<br />

menores, fato que é vislumbrado no estado de sujeira e abandono das crianças,<br />

coisa que é notória em Ariel e Mauro, já que, ao poderem se transladar por si<br />

mesmos, andavam pela rua e eram os vizinhos que se ocupavam de lhes dar<br />

216 Caracterizar os depoimentos das testemunhas com a expressão “contestes” era muito comum nas<br />

solicitações dos promotores e nas decisões dos juízes. A frase fazia notar que os ditos confluíam e<br />

acordavam sobre o ponto a ser ressaltado (ou provado). Na maioria das vezes, servia para evitar citar<br />

trechos de todos os depoimentos, “por razões de economia processual”, citando apenas um e dizendo que<br />

o resto era “conteste”. Em uma conversa com o advogado Luis Real, ele referiu-se ao uso dessa expressão<br />

como uma forma de prova em si mesma. Ele me dizia assim: “As testemunhas em geral não depõem<br />

diante de alguém que procura validar seus ditos, no máximo o fazem com outras testemunhas, e dizem<br />

assim ‘as testemunhas são contestes’, então ‘está provado’, mas, por exemplo, se a testemunha diz que<br />

ligou para Fulano a tal hora e a hora é importante, não se pergunta de onde ligou, de qual telefone, para<br />

mandar um ofício e assim corroborar os ditos por fora dos ditos”.<br />

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