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Baixar - Proppi - UFF

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ponto perguntou Luis Real. Talarico afirmou que essas mesmas pessoas tinham lhe<br />

roubado vinte e dois dias antes do “fato”, mas que na época não tinha se dado conta.<br />

Talarico disse que uma das pessoas tem um parente a 150 metros da sua casa. Também<br />

contou que ele morava no bairro há dez anos, que é separado e ainda está pagando o<br />

financiamento da casa. Disse se relacionar com os vizinhos na base do “bom dia, boa<br />

tarde”, ou seja, com certo distanciamento.<br />

Esse ponto chamou minha atenção, pois as duas testemunhas que estavam na<br />

sala de espera, os “vizinhos” que tinham alertado Talarico sobre o roubo, referiam a<br />

Talarico pelo nome, com certa familiaridade. Também porque, segundo o relato de<br />

Talarico, antes de ir para a comisaría, se deu ao trabalho de passar pela quadra da sua<br />

casa e avisar os dois vizinhos que tinha recuperado as coisas. Ao longo do depoimento,<br />

percebi que na afirmação de se relacionar na base do “bom dia, boa tarde” havia uma<br />

distinção. Não todos os que moravam na área eram “vizinhos”. Estavam os “vizinhos” e<br />

os “outros”, e a cada um desses grupos pareciam corresponder também categorias para<br />

designar os lugares onde moravam. No “bairro” moravam os “vizinhos”, na “zona”<br />

moravam os “outros” 38 .<br />

Talarico foi perguntado tanto por parte da acusação como por vários advogados<br />

sobre as características da área e, em particular, do lugar onde fez a apreensão de Dario.<br />

Em suas várias respostas, disse que era um “lugar semi-escuro”, que “essa zona é uma<br />

rua de terra, a [rua] 368 é um monte de lixo, a [rua] 366 tem uma praça que foi feita por<br />

um deputado. Da [rua] 366 até a [rua] 361 é bastante povoado”. A defensora de Resapo<br />

quis saber mais:<br />

38 A distinção nativa, na boca de Talarico, entre o “bairro” e a “zona”, fez me lembrar do trabalho “Os<br />

Estabelecidos e os outsiders”, de Elias e Sctoson (2000). Nele, analisam as relações entre duas zonas da<br />

comunidade de Winston Parva. A mais antiga, chamada de “aldeia” e a mais recente, denominada<br />

“loteamento” ou “beco dos ratos”. O termo “aldeia” remitia “afetuosamente” (2000:62) aos primeiros<br />

momentos de sua fundação em 1880, recriando uma imagem de comunidade pequena, onde todas as<br />

pessoas “se conheciam e sabiam situar umas às outras” (2000:62). O termo “loteamento” referia, de forma<br />

mais neutra, ao fato dos terrenos da zona 3 terem sido divididos em lotes e “beco dos ratos” já referia,<br />

depreciativamente, à crença por parte dos “aldeões” quanto aos terrenos da zona 2 não terem sido criados<br />

pelo fundador da “aldeia” por ser uma área pantanosa e infestada de ratos (2000:62). Elias e Scotson<br />

chamam a atenção para os estereótipos e acusações, expressos em frases padronizadas, por parte dos<br />

moradores da “aldeia” para os do “loteamento”. Tanto no caso de Winston Parva quanto no caso de Los<br />

Hornos, interessa ressaltar o fato das características atribuídas aos espaços físicos serem estendidas a seus<br />

moradores, através daquilo que Elias e Scotson denominam “sócio-dinâmica de estigmatização”<br />

(2000:23). De forma tal que a socio-dinâmica da relação seja determinada pela forma de vinculação entre<br />

os grupos e não por qualquer característica objetiva que os grupos venham a ter, independentemente dela<br />

(2000:32). Ver também referência à etnografia de Simoni Guedes (1997) no município de São Gonçalo<br />

(Rio de Janeiro), na nota de rodapé 41.<br />

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