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Baixar - Proppi - UFF

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como de afastar o perigo que seu possível contágio podia ocasionar na reputação e<br />

organização do “bairro” 219 .<br />

Durante o processo, também tinha sido enfatizada a falta de carinho e de<br />

sentimentos de união fortes, bem como a ausência de hábitos domésticos e familiares<br />

compartilhados. Esperava-se que uma “família legal” reunisse esses requisitos 220 . E, se<br />

por ventura não os tivesse a seu alcance, abrisse as possibilidades de ajuda externa.<br />

Como vimos várias vezes nos depoimentos e relatórios sobre Marisa, exercia-se uma<br />

condenação pela não aceitação da ajuda e colaboração dos vizinhos. As “provas” aqui<br />

não eram outras que os comentários do bairro sobre sua própria participação na vida de<br />

Marisa e Carlos.<br />

O “juiz de garantias” outorgou a prisão preventiva de ambos os pais. Meses<br />

depois, já escrevendo esta tese, perguntei pela situação de Marisa e Carlos. Valeria me<br />

informou que o processo tinha sido “elevado a juicio”. Os crimes tipificados eram<br />

“abandono de pessoa seguido de morte em concurso com abandono de pessoa agravado<br />

pelo vínculo e pelas lesões graves causadas”. Na segunda etapa do julgamento, antes de<br />

chegar à instância de juicio oral, Carlos tinha “assinado” um “juicio abreviado” 221 por<br />

oito anos de prisão e Marisa outro por sete anos. O defensor de Marisa teria querido que<br />

ela fosse a “juicio”, mas, segundo averiguou Valeria, isso demoraria um tempo e Marisa<br />

não estava bem de saúde. Admiti com Valeria que me impressionavam “tantos” anos de<br />

prisão. Ela me disse, que se bem considerava o caso de um tipo muito complicado<br />

“porque as feridas já tinham sido abertas e a prisão não as fecharia”, achava que a<br />

219 Em “Pureza e Perigo”, Mary Douglas aponta para vários aspectos que me ajudaram a pensar esta<br />

questão e a significação outorgada à questão da “limpeza/ sujeira” neste processo. Ela afirma: “A sujeira<br />

ofende a ordem. Eliminá-la não é um movimento negativo, mas um esforço positivo por organizar o<br />

ambiente (...). O universo todo é arreado aos esforços dos homens no sentido de forçar o outro a uma boa<br />

cidadania. Logo, achamos que certos valores morais são mantidos e certas regras sociais são definidas por<br />

crenças em contágios perigosos, como quando se considera que o olhar ou contato com um adúltero<br />

provocam doença em seus vizinhos ou filhos” (1976:12). A associação proposta por Douglas entre noções<br />

como “sujeira”, “doença”, “contágio”, “ordem”, “pureza”, se revelou fundamental para entender os<br />

aspectos abordados e julgados neste processo, tanto pelos agentes profissionais quanto pelos “vizinhos”,<br />

superando uma impressão inicial de “morbidez” ou “invasão excessiva da intimidade”.<br />

220 Segundo Collier, Rosaldo e Yanagisako, no trabalho já citado (1997), a obra The familiy among the<br />

Australian Aboriginies (1913) de Bronislaw Malinowski foi a primeira em convencer os cientistas sociais<br />

da existência da “família” como uma instituição humana universal. Segundo as autoras, o modelo de<br />

Malinowski segundo qual a família seria uma unidade para nutrição, cuidado e afeto das crianças não foi<br />

desmontado, nem entre cientistas sociais, nem nas crenças coletivas.<br />

221 O “juicio abreviado” é um procedimento previsto no CPP-PBA para crimes com pena prevista menor<br />

a seis anos. Ele trata de um acordo estabelecido entre promotor e defensor (como representante do<br />

“imputado”), com aprovação do tribunal, através do qual o “imputado” declara-se culpado, não é<br />

realizado o juicio oral e é negociada uma pena menor daquela prevista se o juicio fosse acontecer. Este<br />

procedimento é questionado por parte da doutrina como inconstitucional por não respeitar o princípio de<br />

que a toda pessoa condenada lhe deve ser garantida a realização de um juicio prévio.<br />

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