01.06.2014 Views

Baixar - Proppi - UFF

Baixar - Proppi - UFF

Baixar - Proppi - UFF

SHOW MORE
SHOW LESS

You also want an ePaper? Increase the reach of your titles

YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.

A experiência profissional da assistente social lhe indicava hábitos e formas de<br />

sociabilidade e cuidado distintos em áreas pobres e bairros de classe média. Também<br />

Valeria comentou que os únicos dois casos que tinha tido de morte de crianças “por<br />

falta de cuidado eram de famílias de classe média” 212 . Na visão de ambas, o “bairro”<br />

caracterizava-se pelo isolamento e privacidade dos núcleos familiares ou grupos<br />

domésticos 213 . Contudo, a partir dos depoimentos de familiares e vizinhos de Marisa e<br />

Carlos, ficava evidente o fato do “bairro” de Marisa e Carlos estar atento àquilo que<br />

acontecia com aquela família. A forma dessa atenção evidenciava um papel diferente da<br />

intervenção de terceiros na vida de uma família: se na villa o entorno social funcionava<br />

como proteção e cuidado dos diversos grupos familiares, até, inclusive, debilitar essas<br />

fronteiras público / privado; em famílias de classe média, o “bairro” destacava-se por<br />

funções de vigilância e controle social. Quero dizer: todos sabiam, comentavam e<br />

estavam atentos aos hábitos de Marisa e Carlos (horários, alimentação, limpeza, higiene,<br />

trabalho, saúde), mas as possíveis intervenções encontravam a delimitação do espaço<br />

privado próprio do núcleo familiar; “tudo saiu à luz quando o menino estava morto”. Ou<br />

seja, quando um fato extraordinário já tinha se manifestado. Foi a investigação judicial,<br />

gerada pela morte do bebê, que conduziu à transformação das opiniões e comentários,<br />

que antes circulavam em forma de “fofoca”, em depoimentos judiciais.<br />

Do “bairro”, os “vizinhos” e a “fofoca”<br />

No capítulo “Observações sobre a fofoca”, do livro “Os Estabelecidos e os<br />

Outsiders” (2000), Norbert Elias e John Scotson afirmam a fofoca não ser um fenômeno<br />

independente da estrutura e situação dos grupos que a circulam. Com isso, chamam a<br />

atenção não só para as diversas formas de fofoca, mas também para os conteúdos<br />

isolamento, do desumano –do ‘indivíduo’- (1997:55), incorporo aqui a proposta de Marco A. da Silva<br />

Mello e Arno Vogel em “Quando a rua vira casa”. Eles propõem um olhar da “rua” como um “universo<br />

de eventos e relações” (1985:24). “As ruas que não são mais do que vias de passagem estão animadas por<br />

um só tipo de vida e mortas para todo o resto” (1985:24).<br />

212 Um dos casos era este e o outro era um casal que mantinham duas irmãs gêmeas encerradas na casa,<br />

até o ponto de terem morrido por desnutrição.<br />

213 O núcleo familiar geralmente encontra-se constituído por um casal de cônjuges e seus filhos jovens,<br />

aos quais podem se acrescentar outros parentes ou não parentes que participam das atividades de<br />

produção e consumo familiar. O conjunto de pessoas que moram sob um mesmo teto constitui o grupo<br />

doméstico (Zonabend, 1986:64). No caso de Marisa e Carlos, embora a mãe de Marisa morasse com eles,<br />

encontrava-se em uma situação liminar em relação ao núcleo familiar (ou família restringida), pois de sua<br />

higiene e alimentação cuidava a nora da senhora Lar, a qual, morava com seu marido, em outra casa, sem<br />

integrar o mesmo grupo doméstico que Marisa, Carlos e as crianças.<br />

269

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!