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caso e com o ‘saber judicial’ 278 . Esse mecanismo atuava selecionando versões;<br />

“acreditando” umas e “desacreditando” outras.<br />

Em qualquer caso, o processo não abrigava espaço para outorgar legitimidade a<br />

versões contrapostas. Como a “verdade” na qual se acreditava era considerada “única” –<br />

a “verdade histórica”, “a verdade do que aconteceu”, “a verdade dos fatos”-, toda versão<br />

que a contradissesse não podia ter valor judicial. A forma com que o ‘saber judicial’<br />

disputava e estabelecia uma posição sobre outra era acreditando a primeira através da<br />

categoria de “verdade” e desacreditando a segunda com a categoria de “mentira” 279 .<br />

Quando, no caso da família Santana, Pedro ouviu os depoimentos dos diferentes<br />

membros da família e dos policiais, começou a se referir ao processo como o “caso dos<br />

mentirosos”, pois, na visão dele, como era necessário estabelecer uma versão única do<br />

acontecido, se as versões eram diferentes, era porque “alguém estava mentindo”. De<br />

forma talvez mais sofisticada, quando Valeria e Alicia desacreditavam os ditos de<br />

Marisa e Carlos, relatado no Capítulo 6, era porque, diante dos comentários dos<br />

vizinhos e daquilo que elas tinham visto na casa do casal, as versões por eles defendidas<br />

eram avaliadas como produto de personalidades “patológicas”, com “problemas<br />

psicológicos”, que não permitiam distinguir “bem” a realidade ou “ser consciente dela”.<br />

Quer dizer, eram versões que, na visão delas, não se correspondiam com a “realidade”<br />

por ela acreditada.<br />

Como apontei nos Capítulos 4 e 5, esta disputa em termos de “verdade” e<br />

“mentira” não queria dizer que os agentes pressupusessem necessariamente que as<br />

pessoas efetiva e/ou propositadamente estivessem “mentindo” para eles. Por isso, como<br />

vimos, nem o juramento legal de dizer a verdade era tomado sistemática e formalmente,<br />

nem o crime de “falso testemunho” era acionado e punido. Por mais que a formalidade<br />

do processo requeresse a “imparcialidade” das testemunhas – “tem algum interesse<br />

neste processo?”, perguntavam ritualisticamente os juízes no juicio oral-, era<br />

278 Novamente Malatesta coloca em jogo categorias semelhantes a aqui utilizadas. Ele define a noção de<br />

verossimilhança: “o verossímil não é o que pode ser uma verdade real, mas o que tem aparência disso. È<br />

verossímil aquilo que nos inclinamos a julgar real” (1911:82).<br />

279 Analisando a passagem da história oral para a escrita entre os beduínos na Jordânia, Andrew Shryock<br />

chama a atenção para uma história baseada no desacordo, contada sempre de uma posição relativa na<br />

estrutura social. Assim, nessa visão, cada história é sempre uma disputa entre versões relativas: “é uma<br />

história contada contra os outros”, pois “a história dos outros é sempre mentira” (1997:134). Shryock<br />

também assinala que, além de estar moldado por essa lógica segmentar da verdade e da mentira, o<br />

discurso está informado por noções de poder e de autoridade (1997:145). Assim, no meu argumento, a<br />

legitimidade das versões estará relacionada com as possibilidades de sustentá-las (a credibilidade<br />

transmitida, outras “provas”, sua coerência, entre outros fatores) e pela posição autorizada e relativa do<br />

enunciador –depoente- de tais versões, em contextos específicos.<br />

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