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Manual de Direito Civil - Flávio Tartuce - 7ª Ed. - 2017

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<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong><br />

coadjuvantes (ou <strong>de</strong> seus familiares, em caso <strong>de</strong> pessoas falecidas); b) reafirmar o direito à inviolabilida<strong>de</strong><br />

da intimida<strong>de</strong>, da privacida<strong>de</strong>, da honra e da imagem da pessoa, nos termos do inc. X do art. 5.º da<br />

Constituição da República, cuja transgressão haverá <strong>de</strong> se reparar mediante in<strong>de</strong>nização”. Em suma,<br />

julgou­se pela impossibilida<strong>de</strong> da censura prévia das obras, <strong>de</strong>vendo os abusos e excessos ser resolvidos a<br />

partir do abuso <strong>de</strong> direito e da correspon<strong>de</strong>nte responsabilização civil do agente causador do dano.<br />

Além da precisa relatoria, merecem <strong>de</strong>staquem as anotações do Ministro Luís Roberto Barroso,<br />

amparando suas conclusões na técnica <strong>de</strong> pon<strong>de</strong>ração. Conforme suas lições, “a pon<strong>de</strong>ração é uma forma<br />

<strong>de</strong> estruturar o raciocínio jurídico. Há diferentes modos <strong>de</strong> trabalhar com ela. Do modo como eu opero a<br />

pon<strong>de</strong>ração, ela se <strong>de</strong>senvolve em três etapas: a) na primeira, verificam­se as normas que postulam<br />

incidência ao caso; b) na segunda, selecionam­se os fatos relevantes; c) e, por fim, testam­se as soluções<br />

possíveis para verificar, em concreto, qual <strong>de</strong>las melhor realiza a vonta<strong>de</strong> constitucional. I<strong>de</strong>almente, a<br />

pon<strong>de</strong>ração <strong>de</strong>ve procurar fazer concessões recíprocas, preservando o máximo possível dos direitos em<br />

disputa”.<br />

Ao tratar dos arts. 20 e 21 do Código <strong>Civil</strong>, leciona o Ministro Barroso que afirmar a liberda<strong>de</strong> da<br />

expressão como prepon<strong>de</strong>rante em relação à intimida<strong>de</strong> <strong>de</strong>corre <strong>de</strong> três razões. A primeira razão é que “o<br />

passado con<strong>de</strong>na”. A história da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão no Brasil é uma história aci<strong>de</strong>ntada. A censura<br />

vem <strong>de</strong> longe: ao divulgar a Carta <strong>de</strong> Pero Vaz <strong>de</strong> Caminha, certidão <strong>de</strong> nascimento do país, o Padre<br />

Manuel Aires do Casal cortou vários trechos que consi<strong>de</strong>rou “in<strong>de</strong>corosos”. Como segunda razão, <strong>de</strong>staca<br />

o jurista que “a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão é pressuposto para o exercício dos outros direitos fundamentais.<br />

Os direitos políticos, a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> participar no <strong>de</strong>bate público, reunir­se, associar­se e o próprio<br />

<strong>de</strong>senvolvimento da personalida<strong>de</strong> humana <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>m da livre circulação <strong>de</strong> fatos, informações e opiniões.<br />

Sem liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão e <strong>de</strong> informação não há cidadania plena, não há autonomia privada nem<br />

autonomia pública”. Por fim, a terceira razão está relacionada ao fato <strong>de</strong> ser a liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> expressão<br />

“indispensável para o conhecimento da história, para o progresso social e para o aprendizado das novas<br />

gerações”. Com isso, felizmente, as biografias não autorizadas passam a ser possíveis no Brasil, não se<br />

admitindo mais a censura prévia. Em outras palavras, não cabe uma proibição a priori das biografias.<br />

Eventualmente, e a posteriori, os possíveis excessos po<strong>de</strong>m ser resolvidos no âmbito da<br />

responsabilização civil.<br />

Como bem <strong>de</strong>monstrou o Ministro Barroso, citando exemplos concretos, dois <strong>de</strong>les aqui já<br />

mencionados: “eu aqui lembro que esses dispositivos do Código <strong>Civil</strong> que aqui <strong>de</strong>veremos fulminar não é<br />

apenas inconstitucional em tese. Ele tem causado danos reais à cultura nacional e aos legítimos interesses<br />

<strong>de</strong> autores e editores <strong>de</strong> livros. Os exemplos <strong>de</strong> interferência judicial na divulgação <strong>de</strong> biografias são<br />

inúmeros: (i) Ruy Castro, ‘Estrela Solitária: um brasileiro chamado Garrincha’; (ii) Paulo César Araújo,<br />

‘Roberto Carlos em Detalhes’; (iii) Alaor Barbosa dos Santos, ‘Sinfonia <strong>de</strong> Minas Gerais – a vida e a<br />

literatura <strong>de</strong> João Guimarães Rosa’; (iv) Toninho Vaz, ‘O Bandido que Sabia Latim’; (v) <strong>Ed</strong>uardo Ohata,<br />

‘An<strong>de</strong>rson Spi<strong>de</strong>r Silva – o relato <strong>de</strong> um campeão nos ringues da vida’; (vi) Pedro <strong>de</strong> Morais, ‘Lampião –<br />

O Mata Sete’”.<br />

Aliás, em sentido próximo ao julgamento, a Comissão <strong>de</strong> Constituição e Justiça da Câmara dos<br />

Deputados aprovou, em maio <strong>de</strong> 2013, o texto do Projeto <strong>de</strong> Lei 393/2011. A proposição ten<strong>de</strong> a<br />

acrescentar outro parágrafo ao art. 20 do CC/2002, dispondo que “a mera ausência <strong>de</strong> autorização não<br />

impe<strong>de</strong> a divulgação <strong>de</strong> imagens, escritos e informações com finalida<strong>de</strong> biográfica <strong>de</strong> pessoa cuja<br />

trajetória pessoal, artística ou profissional tenha dimensão pública ou esteja inserida em acontecimentos <strong>de</strong><br />

interesse da coletivida<strong>de</strong>”. Filia­se em parte à transcrita proposta, para que a censura <strong>de</strong> biografias seja<br />

<strong>de</strong>finitivamente afastada da realida<strong>de</strong> nacional. De qualquer maneira, pontue­se que o julgamento pelo<br />

Supremo Tribunal Fe<strong>de</strong>ral já traz estabilida<strong>de</strong> à situação, com o afastamento da censura prévia aos textos<br />

literários biográficos, valorizando o trabalho dos autores correspon<strong>de</strong>ntes.<br />

Encerrando o tratamento dos direitos da personalida<strong>de</strong>, o Código <strong>Civil</strong> também tutela, em seu art. 21,<br />

o direito à intimida<strong>de</strong> prescrevendo que a vida privada da pessoa natural é inviolável (art. 5.º, X, da<br />

CF/1988). De qualquer forma, esse direito não é absoluto, <strong>de</strong>vendo ser pon<strong>de</strong>rado com outros direitos,

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