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Manual de Direito Civil - Flávio Tartuce - 7ª Ed. - 2017

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<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong><br />

não atinge a perfeição do ato <strong>de</strong> reconhecimento. A questão da irrevogabilida<strong>de</strong> do reconhecimento po<strong>de</strong> ser<br />

aplicada a hipótese envolvendo a paternida<strong>de</strong> socioafetiva, conforme reconheceu o Tribunal Paulista no julgado a<br />

seguir:<br />

“Negatória <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong>. Filiação reconhecida voluntariamente pelo casamento do autor com a mãe da<br />

criança e que proporcionou sete anos <strong>de</strong> convivência fraterna, um estado que ganha vulto e importância<br />

[afetivida<strong>de</strong>] para efeito <strong>de</strong> aplicar o art. 1609, do CC, com rigor, restringindo a hipótese <strong>de</strong><br />

revogabilida<strong>de</strong> do reconhecimento para falsida<strong>de</strong> ou vícios <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>. Inocorrência <strong>de</strong> tais motivos.<br />

Artigos 1.604 e 1.610 do CC/2002. Paternida<strong>de</strong> socioafetiva consolidada. Não provimento” (TJSP,<br />

Apelação com Revisão 592.910.4/1, Acórdão 3651709, São Paulo, 4.ª Câmara <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Privado, Rel.<br />

Des. Ênio Santarelli Zuliani, j. 14.05.2009, DJESP 06.07.2009).<br />

O reconhecimento <strong>de</strong> filhos constitui um ato jurídico stricto sensu, ou em sentido estrito, justamente porque<br />

os seus efeitos são apenas aqueles <strong>de</strong>correntes <strong>de</strong> lei (art. 185 do CC). Não há uma composição <strong>de</strong> vonta<strong>de</strong>s, a<br />

fazer com que o ato seja tido como um negócio jurídico.<br />

Trata­se ainda <strong>de</strong> um ato unilateral e formal. Entretanto, dúvidas surgem em relação à primeira parte do art.<br />

1.614 do CC pelo qual: “O filho maior não po<strong>de</strong> ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor po<strong>de</strong><br />

impugnar o reconhecimento, nos quatro anos que se seguirem à maiorida<strong>de</strong>, ou à emancipação”. Como se nota, o<br />

reconhecimento <strong>de</strong> filho maior exige a sua concordância. Surge então a dúvida: o ato <strong>de</strong> reconhecimento passa a<br />

ser bilateral em casos tais? Segue­se a corrente doutrinária que respon<strong>de</strong> negativamente, mantendo­se o caráter<br />

unilateral do ato. 171 Isso porque o consentimento do maior é mero ato <strong>de</strong> proteção, predominando a iniciativa<br />

daquele que reconhece o filho.<br />

Em relação à segunda parte do art. 1.614 do CC – que consagra prazo <strong>de</strong>ca<strong>de</strong>ncial <strong>de</strong> quatro anos para o<br />

filho menor impugnar o seu reconhecimento, a contar da maiorida<strong>de</strong> –, a previsão tem sido afastada pela<br />

jurisprudência. Isso porque o direito à impugnação envolve estado <strong>de</strong> pessoas e a dignida<strong>de</strong> humana, não estando<br />

sujeito a qualquer prazo (assim concluindo, por todos: STJ, AgRg no REsp 1.259.703/MS, 4.ª Turma, Rel. Min.<br />

Maria Isabel Gallotti, j. 24.02.2015, DJe 27.02.2015; e REsp 765.479/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes <strong>de</strong><br />

Barros, 3.ª Turma, j. 07.03.2006, DJ 24.04.2006, p. 397). A conclusão é perfeita, uma vez que o direito à<br />

verda<strong>de</strong> biológica e à filiação é um direito fundamental.<br />

O ato <strong>de</strong> reconhecimento <strong>de</strong> filhos é incondicional, não po<strong>de</strong>ndo ser submetido à condição (evento futuro e<br />

incerto) ou a termo (evento futuro e certo). Nos dois casos, são ineficazes a condição e o termo constantes do<br />

reconhecimento, aproveitando­se o restante do ato (art. 1.613 do CC) – aplicação do princípio da conservação<br />

dos negócios jurídicos. Ilustrando, imagine­se que alguém faz a seguinte <strong>de</strong>claração: “reconheço você como meu<br />

filho quando sua mãe morrer” (reconhecimento a termo). O termo é consi<strong>de</strong>rado não escrito, valendo plenamente<br />

o reconhecimento do filho.<br />

Dispositivo com redação polêmica e criticável, enuncia o art. 1.611 do CC/2002 que o filho havido fora do<br />

casamento e reconhecido por um dos cônjuges não po<strong>de</strong>rá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro<br />

cônjuge. O comando privilegia o casamento em <strong>de</strong>trimento do filho, trazendo resquício da odiosa discriminação<br />

do filho havido fora do casamento. Conforme leciona Guilherme Calmon Nogueira da Gama, a quem se filia, “O<br />

art. 1.611 do Código <strong>Civil</strong> está eivado do vício da inconstitucionalida<strong>de</strong>, eis que há flagrante violação ao<br />

princípio da igualda<strong>de</strong> entre os filhos em direitos e <strong>de</strong>veres (CF/1988, art. 227, § 6.º)”. 172 Na verda<strong>de</strong>, seria<br />

melhor que o CC/2002 não trouxesse a previsão, <strong>de</strong>ixando a análise da questão para o julgador, caso a caso.<br />

A<strong>de</strong>mais, em casos <strong>de</strong> <strong>de</strong>bates como esse, <strong>de</strong>ve sempre prevalecer o princípio do maior interesse da criança e<br />

do adolescente, retirado do art. 1.612 do CC, pelo qual “O filho reconhecido, enquanto menor, ficará sob a<br />

guarda do genitor que o reconheceu, e, se ambos o reconhecerem e não houver acordo, sob a <strong>de</strong> quem melhor<br />

aten<strong>de</strong>r aos interesses do menor”.<br />

Tentando salvar o dispositivo anterior, ensina Paulo Lôbo que “Para que se possa interpretar e aplicar a<br />

norma em conformida<strong>de</strong> com a Constituição, impõe­se sua harmonização com as regras respeitantes à guarda do<br />

filho menor, que <strong>de</strong>ve aten<strong>de</strong>r ao princípio do seu melhor interesse”. 173 Em sentido próximo, lecionam Pablo<br />

Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que o art. 1.611 <strong>de</strong>ve ser interpretado “modus in rebus, ou seja, em<br />

justa e pon<strong>de</strong>rada medida, <strong>de</strong>ntro dos parâmetros da razoabilida<strong>de</strong>”. 174<br />

Encerrando o estudo do reconhecimento voluntário, <strong>de</strong>termina o art. 1.617 do CC que a filiação materna ou

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