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Manual de Direito Civil - Flávio Tartuce - 7ª Ed. - 2017

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<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong><br />

Na doutrina contemporânea, lecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho que “a principal<br />

função da família e a sua característica <strong>de</strong> meio para a realização dos nossos anseios e pretensões. Não é mais a<br />

família um fim em sim mesmo, conforme já afirmamos, mas, sim, o meio social para a busca <strong>de</strong> nossa felicida<strong>de</strong><br />

na relação com o outro”. 12<br />

Desse modo, as relações familiares <strong>de</strong>vem ser analisadas <strong>de</strong>ntro do contexto social e diante das diferenças<br />

regionais <strong>de</strong> cada localida<strong>de</strong>. A socialida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve ser aplicada aos institutos <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>de</strong> Família, assim como<br />

ocorre com outros ramos do <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong>. A título <strong>de</strong> exemplo, a socialida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> servir para fundamentar o<br />

parentesco civil <strong>de</strong>corrente da paternida<strong>de</strong> socioafetiva. Po<strong>de</strong> servir também para a conclusão <strong>de</strong> que há outras<br />

entida<strong>de</strong>s familiares, caso da união homoafetiva. Isso tudo porque a socieda<strong>de</strong> muda, a família se altera e o<br />

<strong>Direito</strong> <strong>de</strong>ve acompanhar essas transformações.<br />

Em suma, não reconhecer função social à família e à interpretação do ramo jurídico que a estuda é como não<br />

reconhecer função social à própria socieda<strong>de</strong>, premissa que fecha o estudo dos princípios do <strong>Direito</strong> <strong>de</strong> Família<br />

Contemporâneo.<br />

Princípio da boa-fé objetiva<br />

8.1.9<br />

Após muita reflexão e estudo do tema, resolvemos incluir nesta obra o princípio da boa­fé objetiva como um<br />

dos baluartes do <strong>Direito</strong> <strong>de</strong> Família brasileiro.<br />

Como visto em capítulos anteriores <strong>de</strong>ste livro, o Código <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> 2002 foi construído a partir <strong>de</strong> três<br />

princípios fundamentais: a eticida<strong>de</strong>, a socialida<strong>de</strong> e a operabilida<strong>de</strong>. A eticida<strong>de</strong> representa a valorização do<br />

comportamento ético­socializante, notadamente pela boa­fé objetiva. A socialida<strong>de</strong> tem relação direta com a<br />

função social dos institutos privados, caso da família, o que já foi estudado no tópico anterior. Por fim, a<br />

operabilida<strong>de</strong> tem dois sentidos. O primeiro é <strong>de</strong> facilitação ou simplicida<strong>de</strong> dos institutos civis, o que po<strong>de</strong> ser<br />

percebido <strong>de</strong> várias passagens da codificação. O segundo sentido é <strong>de</strong> efetivida<strong>de</strong>, o que foi buscado pelo sistema<br />

<strong>de</strong> cláusulas gerais adotado pelo CC/2002, sendo essas janelas ou molduras abertas <strong>de</strong>ixadas pelo legislador,<br />

para preenchimento pelo aplicador do <strong>Direito</strong>, caso a caso. 13<br />

Como é notório, o Novo Código <strong>de</strong> Processo <strong>Civil</strong> também valorizou a boa­fé em vários <strong>de</strong> seus comandos.<br />

Como <strong>de</strong>termina o seu art. 5.º, aquele que <strong>de</strong> qualquer forma participa do processo <strong>de</strong>ve comportar­se <strong>de</strong> acordo<br />

com a boa­fé. Além disso, todos os sujeitos do processo <strong>de</strong>vem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo<br />

razoável, <strong>de</strong>cisão <strong>de</strong> mérito justa e efetiva (art. 6.º do CPC/2015). A boa­fé objetiva <strong>de</strong>monstrada pelas partes no<br />

curso do processo também passa a ser elemento integrador da sentença, pois, conforme o art. 489, § 3.º, do Novo<br />

CPC, a <strong>de</strong>cisão judicial <strong>de</strong>ve ser interpretada a partir da conjugação <strong>de</strong> todos os seus elementos e em<br />

conformida<strong>de</strong> com o princípio da boa­fé. Acreditamos que tais normas, especialmente a última, trarão gran<strong>de</strong><br />

impacto não só para o <strong>Direito</strong> Processual, mas também para o direito material brasileiro, nos próximos anos.<br />

A boa­fé objetiva representa uma evolução do conceito <strong>de</strong> boa­fé, que saiu do plano da mera intenção – boafé<br />

subjetiva – para o plano da conduta <strong>de</strong> lealda<strong>de</strong> das partes. O Enunciado n. 26, aprovado na I Jornada <strong>de</strong><br />

<strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong>, <strong>de</strong>fine a boa­fé objetiva como a exigência <strong>de</strong> comportamento leal das partes. Como estudado no<br />

Capítulo 5 <strong>de</strong>sta obra, diante <strong>de</strong> seu <strong>de</strong>senvolvimento no <strong>Direito</strong> Alemão, notadamente por autores como Karl<br />

Larenz, a boa­fé objetiva está relacionada com os <strong>de</strong>veres anexos ou laterais <strong>de</strong> conduta, que são ínsitos a<br />

qualquer negócio jurídico, não havendo sequer a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> previsão no instrumento negocial. 14 Reafirme­se<br />

que são consi<strong>de</strong>rados <strong>de</strong>veres anexos, entre outros: o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> cuidado e <strong>de</strong> respeito, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> informar, o <strong>de</strong>ver<br />

<strong>de</strong> agir conforme a confiança <strong>de</strong>positada, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> lealda<strong>de</strong> e probida<strong>de</strong>, o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> colaboração ou cooperação,<br />

o <strong>de</strong>ver <strong>de</strong> agir com honestida<strong>de</strong>.<br />

Repise­se, em complemento, que, conforme também <strong>de</strong>senvolvido no <strong>Direito</strong> Alemão por Staub, a quebra<br />

<strong>de</strong>sses <strong>de</strong>veres anexos gera a violação positiva do contrato ou da obrigação, com responsabilização civil objetiva<br />

daquele que <strong>de</strong>srespeita a boa­fé objetiva. Nesse sentido, no Brasil, o Enunciado n. 24, da I Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong><br />

<strong>Civil</strong>, in verbis: “em virtu<strong>de</strong> do princípio da boa­fé, positivado no art. 422 do novo Código <strong>Civil</strong>, a violação dos<br />

<strong>de</strong>veres anexos constitui espécie <strong>de</strong> inadimplemento, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> culpa”. Essa responsabilização<br />

in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> culpa está amparada igualmente pelo teor do Enunciado n. 363, da IV Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong><br />

<strong>Civil</strong>, segundo o qual: “Os princípios da probida<strong>de</strong> e da confiança são <strong>de</strong> or<strong>de</strong>m pública, estando a parte lesada<br />

somente obrigada a <strong>de</strong>monstrar a existência da violação”.<br />

Pois bem, o que se preten<strong>de</strong> sustentar neste ponto da obra, é que a boa­fé objetiva tem plena aplicação ao<br />

<strong>Direito</strong> <strong>de</strong> Família, conforme vem enten<strong>de</strong>ndo doutrina e jurisprudência nacionais. Na doutrina, merecem

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