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Manual de Direito Civil - Flávio Tartuce - 7ª Ed. - 2017

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<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong><br />

Carta <strong>de</strong> Recife. Nas suas palavras, “um dos pontos <strong>de</strong>batidos e que se encontra na Carta <strong>de</strong> Recife,<br />

documento haurido das reflexões apresentadas pelos pesquisadores no citado encontro, foi justamente a<br />

preocupação com essa situação <strong>de</strong> responsabilida<strong>de</strong> com e sem dano, como consta do seguinte trecho da<br />

aludida Carta: ‘A análise crítica do dano na contemporaneida<strong>de</strong> impõe o caminho <strong>de</strong> reflexão sobre a<br />

eventual possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> se cogitar da responsabilida<strong>de</strong> sem dano’”. 36<br />

Sem dúvidas, essa reflexão é imperiosa e po<strong>de</strong>rá alterar todas as balizas teóricas da<br />

responsabilida<strong>de</strong> civil. O gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio, entretanto, é saber <strong>de</strong>terminar os limites para a nova tese, que<br />

po<strong>de</strong> gerar situações <strong>de</strong> injustiça, mormente <strong>de</strong> pedidos totalmente imotivados, fundados em reais meros<br />

aborrecimentos, comuns no Brasil.<br />

A propósito <strong>de</strong>sse <strong>de</strong>bate, a respeito do fato <strong>de</strong> o consumidor ter encontrado um corpo estanho em<br />

um produto, mas sem consumi­lo, surgiram arestos posteriores, afastando a posição inaugurada pela<br />

Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial 1.424.304/SP. Assim julgando: “No âmbito da<br />

jurisprudência do STJ, não se configura o dano moral quando ausente a ingestão do produto<br />

consi<strong>de</strong>rado impróprio para o consumo, em virtu<strong>de</strong> da presença <strong>de</strong> objeto estranho no seu interior, por<br />

não extrapolar o âmbito individual que justifique a litigiosida<strong>de</strong>, porquanto atendida a expectativa do<br />

consumidor em sua dimensão plural. A tecnologia utilizada nas embalagens dos refrigerantes é<br />

padronizada e guarda, na essência, os mesmos atributos e as mesmas qualida<strong>de</strong>s no mundo inteiro.<br />

Inexiste um sistemático <strong>de</strong>feito <strong>de</strong> segurança capaz <strong>de</strong> colocar em risco a incolumida<strong>de</strong> da socieda<strong>de</strong> <strong>de</strong><br />

consumo, a culminar no <strong>de</strong>srespeito à dignida<strong>de</strong> da pessoa humana, no <strong>de</strong>sprezo à saú<strong>de</strong> pública e no<br />

<strong>de</strong>scaso com a segurança alimentar” (STJ, 1.395.647/SC, 3.ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas<br />

Cueva, j. 18.11.2014, DJe 19.12.2014). E, ainda: “A jurisprudência do Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça se<br />

consolidou no sentido <strong>de</strong> que a ausência <strong>de</strong> ingestão <strong>de</strong> produto impróprio para o consumo configura,<br />

em regra, hipótese <strong>de</strong> mero dissabor vivenciado pelo consumidor, o que afasta eventual pretensão<br />

in<strong>de</strong>nizatória <strong>de</strong>corrente <strong>de</strong> alegado dano moral. Prece<strong>de</strong>ntes” (STJ, AgRg no AREsp 489.030/SP, 4.ª<br />

Turma, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 16.04.2015, DJe 27.04.2015).<br />

A <strong>de</strong>monstrar toda essa divergência, pontue­se que na <strong>Ed</strong>ição 39 da ferramenta Jurisprudência em<br />

Teses, do próprio STJ, e que trata do <strong>Direito</strong> do Consumidor, po<strong>de</strong>m ser encontradas premissas<br />

conflitantes sobre o tema. Conforme a tese 2, “a simples aquisição do produto consi<strong>de</strong>rado impróprio<br />

para o consumo, em virtu<strong>de</strong> da presença <strong>de</strong> corpo estranho, sem que se tenha ingerido o seu conteúdo,<br />

não revela o sofrimento capaz <strong>de</strong> ensejar in<strong>de</strong>nização por danos morais”. Por outra via, nos termos da<br />

tese 3, “a aquisição <strong>de</strong> produto <strong>de</strong> gênero alimentício contendo em seu interior corpo estranho, expondo<br />

o consumidor a risco concreto <strong>de</strong> lesão à sua saú<strong>de</strong> e segurança, ainda que não ocorra a ingestão <strong>de</strong> seu<br />

conteúdo, dá direito à compensação por dano moral, dada a ofensa ao direito fundamental à alimentação<br />

a<strong>de</strong>quada, corolário do princípio da dignida<strong>de</strong> da pessoa humana”. Em resumo, o tema ainda está aberto<br />

para ser discutido nos meios jurídicos, teóricos e práticos, especialmente porque o STJ <strong>de</strong>ve manter a<br />

sua jurisprudência estável, íntegra e coerente, conforme consta do art. 926 do Novo Código <strong>de</strong> Processo<br />

<strong>Civil</strong>.<br />

Seguindo nos exemplos, fato corriqueiro que é, po<strong>de</strong>r­se­ia imaginar que uma espera exagerada em<br />

fila <strong>de</strong> banco constituiria um mero aborrecimento, não caracterizador do dano moral ao consumidor.<br />

Todavia, o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça concluiu recentemente <strong>de</strong> forma contrária, con<strong>de</strong>nando a<br />

instituição pelo excesso <strong>de</strong> tempo perdido pelo usuário do serviço. O <strong>de</strong>cisum foi assim publicado no<br />

Informativo n. 504 daquela Corte Superior: “O dano moral <strong>de</strong>corrente da <strong>de</strong>mora no atendimento ao<br />

cliente não surge apenas da violação <strong>de</strong> legislação que estipula tempo máximo <strong>de</strong> espera, mas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />

da verificação dos fatos que causaram sofrimento além do normal ao consumidor. Isso porque a<br />

legislação que <strong>de</strong>termina o tempo máximo <strong>de</strong> espera tem cunho administrativo e trata da<br />

responsabilida<strong>de</strong> da instituição financeira perante a Administração Pública, a qual po<strong>de</strong>rá aplicar<br />

sanções às instituições que <strong>de</strong>scumprirem a norma. Assim, a extrapolação do tempo <strong>de</strong> espera <strong>de</strong>verá<br />

ser consi<strong>de</strong>rada como um dos elementos analisados no momento da verificação da ocorrência do dano

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