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Manual de Direito Civil - Flávio Tartuce - 7ª Ed. - 2017

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<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong><br />

vem até o país para a entrega do documento correspon<strong>de</strong>nte à proprieda<strong>de</strong>. A partir <strong>de</strong> então, a empresa<br />

brasileira é proprietária, respon<strong>de</strong>ndo pelos riscos e <strong>de</strong>spesas referentes à coisa.<br />

Não havendo estipulação em contrário, por regra, o pagamento <strong>de</strong>ve ocorrer na data e no lugar da<br />

entrega do documento, no exemplo acima, no Brasil (art. 530 do CC). A norma é aplicação da regra<br />

locus regit actum.<br />

Em havendo apólice <strong>de</strong> seguro, visando cobrir os riscos <strong>de</strong> transporte, o prêmio <strong>de</strong>verá ser pago<br />

pelo comprador, salvo se houver má­fé do ven<strong>de</strong>dor, que tinha ciência da perda ou avaria da coisa (art.<br />

531 do CC). A parte final do dispositivo valoriza o princípio da boa­fé objetiva.<br />

Finalmente, estabelece o art. 532 do CC que, “estipulado o pagamento por intermédio <strong>de</strong><br />

estabelecimento bancário, caberá a este efetuá­lo contra a entrega dos documentos, sem obrigação <strong>de</strong><br />

verificar a coisa vendida, pela qual não respon<strong>de</strong>. Parágrafo único. Nesse caso, somente após a recusa<br />

do estabelecimento bancário a efetuar o pagamento, po<strong>de</strong>rá o ven<strong>de</strong>dor pretendê­lo, diretamente do<br />

comprador”.<br />

Pelo teor do comando legal, se a venda for realizada por intermédio <strong>de</strong> estabelecimento bancário,<br />

esse não respon<strong>de</strong> pela integrida<strong>de</strong> da coisa. Cumpre <strong>de</strong>stacar que tal entendimento, <strong>de</strong> exclusão da<br />

responsabilida<strong>de</strong> bancária, foi adotado pelo Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça em julgado do ano <strong>de</strong> 2008,<br />

com menção ao novel dispositivo civil (STJ, REsp 885.674/RJ, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi,<br />

j. 07.02.2008, DJe 05.03.2008).<br />

Dúvidas surgem no confronto entre o art. 532 do CC e o art. 7.º, parágrafo único, do Código <strong>de</strong><br />

Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), que traz o princípio da solidarieda<strong>de</strong> na responsabilida<strong>de</strong><br />

consumerista, pelo qual o estabelecimento bancário respon<strong>de</strong>ria em conjunto com o ven<strong>de</strong>dor.<br />

Interessante lembrar que a relação estabelecida com o banco po<strong>de</strong> ser configurada como relação <strong>de</strong><br />

consumo (Súmula 297 do STJ). Como resolver a questão?<br />

O caso é <strong>de</strong> antinomia jurídica ou conflito <strong>de</strong> normas. Aplicando­se o critério da especialida<strong>de</strong>,<br />

prevalecerá a norma do CC/2002, que é norma especial para os casos <strong>de</strong> venda sobre documentos.<br />

Entretanto, adotando­se o entendimento pelo qual o CDC é norma principiológica, com posição fixa na<br />

Constituição Fe<strong>de</strong>ral (arts. 5.º, XXXII, e 170, III), prevaleceria a Lei 8.078/1990, entrando em cena o<br />

critério hierárquico. Enten<strong>de</strong>mos que o caminho da solução está na visualização do contrato. Se o bem é<br />

adquirido por alguém, na condição <strong>de</strong> <strong>de</strong>stinatário final, aplica­se o Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor,<br />

<strong>de</strong>s<strong>de</strong> que preenchidos todos os elementos constantes dos arts. 2.º e 3.º do CDC para a caracterização do<br />

contrato <strong>de</strong> consumo, ou seja, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o comprador seja <strong>de</strong>stinatário final e econômico da coisa<br />

comprada e o ven<strong>de</strong>dor, profissional na ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> venda. Caso contrário, subsume­se o CC em vigor.<br />

Mais uma vez, o caso é <strong>de</strong> incidência da teoria do diálogo das fontes.<br />

Vale dizer que no exemplo aqui exposto não se aplica o CDC, pois a máquina adquirida da empresa<br />

belga será utilizada pela empresa brasileira diretamente na produção.<br />

Cláusula <strong>de</strong> venda com reserva <strong>de</strong> domínio<br />

<br />

A cláusula <strong>de</strong> venda com reserva <strong>de</strong> domínio ou pactum reservati dominii ganha tratamento no<br />

CC/2002, entre os seus arts. 521 a 528. Havia previsão legal anterior no Decreto 1.027/1939, no<br />

CPC/1973 (arts. 1.070 e 1.071, ora revogados) e na Lei <strong>de</strong> Registros Públicos (Lei 6.015/1973). Por<br />

meio <strong>de</strong>ssa cláusula, inserida na venda <strong>de</strong> coisa móvel infungível, o ven<strong>de</strong>dor mantém o domínio da<br />

coisa (exercício da proprieda<strong>de</strong>) até que o preço seja pago <strong>de</strong> forma integral pelo comprador.<br />

O comprador recebe a mera posse direta do bem, mas a proprieda<strong>de</strong> do ven<strong>de</strong>dor é resolúvel, eis<br />

que o primeiro po<strong>de</strong>rá adquirir a proprieda<strong>de</strong> com o pagamento integral do preço. Todavia, pelos riscos<br />

da coisa respon<strong>de</strong> o comprador, a partir <strong>de</strong> quando essa lhe é entregue (art. 524 do CC). Essa hipótese<br />

revela a adoção pelo Código <strong>de</strong> 2002 do princípio res perit emptoris (ou seja, a coisa perece para o<br />

comprador) como exceção ao princípio res perit domino (a coisa perece para o dono).

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