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Manual de Direito Civil - Flávio Tartuce - 7ª Ed. - 2017

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<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong><br />

art. 187 do CC/2002 consagra a função <strong>de</strong> controle exercida pela boa­fé objetiva, fazendo com que o<br />

abuso <strong>de</strong> direito esteja presente na esfera contratual, ou seja, da autonomia privada.<br />

A respeito do conceito <strong>de</strong> abuso <strong>de</strong> direito, o mais interessante produzido pela doutrina nacional,<br />

inclusive por seu intuito didático, é o <strong>de</strong> Rubens Limongi França, que em sua Enciclopédia Saraiva do<br />

<strong>Direito</strong> <strong>de</strong>finiu o abuso <strong>de</strong> direito como “um ato jurídico <strong>de</strong> objeto lícito, mas cujo exercício, levado a<br />

efeito sem a <strong>de</strong>vida regularida<strong>de</strong>, acarreta um resultado que se consi<strong>de</strong>ra ilícito”. 5 Resumindo essa<br />

construção, po<strong>de</strong>­se chegar à conclusão <strong>de</strong> que o abuso <strong>de</strong> direito é um ato lícito pelo conteúdo, ilícito<br />

pelas consequências, tendo natureza jurídica mista – entre o ato jurídico e o ato ilícito – situando­se no<br />

mundo dos fatos jurídicos em sentido amplo. Em outras palavras, a ilicitu<strong>de</strong> do abuso <strong>de</strong> direito está<br />

presente na forma <strong>de</strong> execução do ato. Dessas construções conclui­se que a diferença em relação ao ato<br />

ilícito tido como puro resi<strong>de</strong> no fato <strong>de</strong> que o último é ilícito no todo, quanto ao conteúdo e quanto às<br />

consequências.<br />

Esclareça­se, na linha do Enunciado n. 539, da VI Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong>, que “o abuso <strong>de</strong> direito<br />

é uma categoria jurídica autônoma em relação à responsabilida<strong>de</strong> civil. Por isso, o exercício abusivo <strong>de</strong><br />

posições jurídicas <strong>de</strong>safia controle in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> dano”. De fato, cabem, por exemplo, medidas<br />

preventivas se o abuso <strong>de</strong> direito estiver presente, in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente da presença do dano. Todavia,<br />

para que o abuso <strong>de</strong> direito seja analisado <strong>de</strong>ntro da matéria <strong>de</strong>ste capítulo, o dano <strong>de</strong>ve estar presente,<br />

conforme se abstrai do art. 927, caput, do CC/2002, que exige o elemento objetivo do prejuízo para que<br />

surja a consequente responsabilida<strong>de</strong> civil do agente.<br />

Em continuida<strong>de</strong>, para que o abuso <strong>de</strong> direito esteja configurado, nos termos do que está previsto<br />

na atual codificação privada, é importante que tal conduta seja praticada quando a pessoa exceda um<br />

direito que possui, atuando em exercício irregular <strong>de</strong> direito, conforme anotado por Nelson Nery Jr. e<br />

Rosa Maria <strong>de</strong> Andra<strong>de</strong> Nery. 6 Sendo assim, não há que se cogitar o elemento culpa na sua<br />

configuração, bastando que a conduta exceda os parâmetros que constam do art. 187 do CC.<br />

Portanto, conforme o entendimento majoritário da doutrina nacional, presente o abuso <strong>de</strong> direito, a<br />

responsabilida<strong>de</strong> é objetiva, ou in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntemente <strong>de</strong> culpa. Essa é a conclusão a que chegaram os<br />

juristas participantes da I Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong> promovida pelo Conselho da Justiça Fe<strong>de</strong>ral, com a<br />

aprovação do Enunciado n. 37 e que tem a seguinte redação: “Art. 187. A responsabilida<strong>de</strong> civil<br />

<strong>de</strong>corrente do abuso do direito in<strong>de</strong>pen<strong>de</strong> <strong>de</strong> culpa, e fundamenta­se somente no critério objetivofinalístico”.<br />

7<br />

Para esclarecer o enquadramento do abuso <strong>de</strong> direito como ato ilícito, serão buscados alguns<br />

exemplos dos institutos, já analisados pela doutrina e pela jurisprudência, em uma visão<br />

interdisciplinar. Como se concluiu na V Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong>, o abuso <strong>de</strong> direito tem fundamento<br />

constitucional nos princípios da solidarieda<strong>de</strong>, <strong>de</strong>vido processo legal e proteção da confiança, aplicandose<br />

a todos os ramos do direito (Enunciado n. 414).<br />

a) <strong>Direito</strong> do Consumidor. A publicida<strong>de</strong> abusiva como abuso <strong>de</strong> direito<br />

O conceito <strong>de</strong> publicida<strong>de</strong> abusiva po<strong>de</strong> ser encontrado no art. 37, § 2.º, do CDC, cuja transcrição<br />

merece realce, para os <strong>de</strong>vidos aprofundamentos: “§ 2.º É abusiva, <strong>de</strong>ntre outras, a publicida<strong>de</strong><br />

discriminatória <strong>de</strong> qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se<br />

aproveite da <strong>de</strong>ficiência <strong>de</strong> julgamento e experiência da criança, <strong>de</strong>srespeita valores ambientais, ou que<br />

seja capaz <strong>de</strong> induzir o consumidor a se comportar <strong>de</strong> forma prejudicial ou perigosa à sua saú<strong>de</strong> ou<br />

segurança” (<strong>de</strong>stacado).<br />

Consigne que o dispositivo é aplicado aos casos <strong>de</strong> oferta, publicida<strong>de</strong> e propaganda que envolvam<br />

a relação <strong>de</strong> consumo, po<strong>de</strong>ndo gerar uma responsabilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> natureza pré­contratual do fornecedor <strong>de</strong><br />

produtos ou prestador <strong>de</strong> serviços. A título <strong>de</strong> ilustração, cite­se julgado notório do Egrégio Tribunal <strong>de</strong><br />

Justiça do Estado <strong>de</strong> São Paulo o qual consi<strong>de</strong>rou ser abusiva uma publicida<strong>de</strong> que incitava as crianças à<br />

<strong>de</strong>struição <strong>de</strong> tênis velhos, os quais <strong>de</strong>veriam ser substituídos por outros novos, situação tida como

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