14.04.2017 Views

Manual de Direito Civil - Flávio Tartuce - 7ª Ed. - 2017

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong><br />

portanto, que o princípio da força obrigatória não tem mais encontrado a predominância e a prevalência<br />

que exercia no passado. O princípio em questão está, portanto, mitigado ou relativizado, sobretudo<br />

pelos princípios sociais da função social do contrato e da boa­fé objetiva.<br />

A par <strong>de</strong> tudo isso, no momento, não há ainda como concordar com o posicionamento no sentido <strong>de</strong><br />

que o princípio da força obrigatória do contrato foi <strong>de</strong>finitivamente extinto pela codificação emergente.<br />

Isso porque tal conclusão afasta o mínimo <strong>de</strong> segurança e certeza que se espera do or<strong>de</strong>namento<br />

jurídico, principalmente a segurança no direito, ícone também importante, como a própria justiça,<br />

objetivo maior buscado pelo <strong>Direito</strong> e pela ciência que o estuda.<br />

Todavia, não é exagerado afirmar que o princípio da força obrigatória do contrato ten<strong>de</strong> a<br />

<strong>de</strong>saparecer. Por certo, outro princípio o substituirá no futuro, talvez o princípio da conservação do<br />

contrato ou mesmo a boa­fé objetiva, em uma feição <strong>de</strong> tutela <strong>de</strong> confiança. O último princípio citado<br />

passa a ser o objeto <strong>de</strong> estudo.<br />

Princípio da boa-fé objetiva<br />

5.3.5<br />

Uma das mais festejadas mudanças introduzidas pelo Código <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> 2002 refere­se à previsão<br />

expressa do princípio da boa­fé contratual, que não constava da codificação <strong>de</strong> 1916. Como se sabe, a<br />

boa­fé, anteriormente, somente era relacionada com a intenção do sujeito <strong>de</strong> direito, estudada quando da<br />

análise dos institutos possessórios, por exemplo. Nesse ponto era conceituada como boa­fé subjetiva,<br />

eis que mantinha relação direta com aquele que ignorava um vício relacionado com uma pessoa, bem ou<br />

negócio.<br />

Mas, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> os primórdios do <strong>Direito</strong> Romano já se cogitava outra boa­fé, aquela direcionada à<br />

conduta das partes, principalmente nas relações negociais e contratuais. Com o surgimento do<br />

jusnaturalismo, a boa­fé ganhou, no <strong>Direito</strong> Comparado, uma nova faceta, relacionada com a conduta<br />

dos negociantes e <strong>de</strong>nominada boa­fé objetiva. Da subjetivação saltou­se para a objetivação, o que é<br />

consolidado pelas codificações privadas europeias. Com essa evolução, alguns Códigos da era mo<strong>de</strong>rna<br />

fazem menção a essa nova faceta da boa­fé, caso do Código <strong>Civil</strong> português <strong>de</strong> 1966, do Código <strong>Civil</strong><br />

italiano <strong>de</strong> 1942 e do BGB alemão, normas que serviram como marco teórico para o Código <strong>Civil</strong><br />

Brasileiro <strong>de</strong> 2002. No <strong>Direito</strong> Alemão, a propósito, duas expressões são utilizadas para apontar as<br />

modalida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> boa­fé ora expostas. O termo Guten Glauben – que quer dizer, literalmente, bom<br />

pensamento – <strong>de</strong>nota a boa­fé subjetiva; enquanto que Treu und Glauben – fi<strong>de</strong>lida<strong>de</strong> e pensamento –<br />

<strong>de</strong>nota a boa­fé objetiva.<br />

Nosso atual Código <strong>Civil</strong>, ao seguir essa tendência, adota a dimensão concreta da boa­fé, como já<br />

fazia o Código <strong>de</strong> Defesa do Consumidor em seu art. 4.º, III, entre outros comandos, segundo o qual “a<br />

Política Nacional <strong>de</strong> Relações <strong>de</strong> Consumo tem por objetivo o atendimento das necessida<strong>de</strong>s dos<br />

consumidores, o respeito à sua dignida<strong>de</strong>, saú<strong>de</strong> e segurança, a proteção <strong>de</strong> seus interesses econômicos,<br />

a melhoria da sua qualida<strong>de</strong> <strong>de</strong> vida, bem como a transparência e harmonia das relações <strong>de</strong> consumo,<br />

atendidos os seguintes princípios: (…) III – harmonização dos interesses dos participantes das relações<br />

<strong>de</strong> consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessida<strong>de</strong> <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />

econômico e tecnológico, <strong>de</strong> modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a or<strong>de</strong>m econômica (art.<br />

170 da Constituição Fe<strong>de</strong>ral), sempre com base na boa­fé e equilíbrio nas relações entre consumidores<br />

e fornecedores” (<strong>de</strong>stacado). Quanto a essa confrontação necessária entre o Código <strong>Civil</strong> <strong>de</strong> 2002 e o<br />

CDC, prevê o Enunciado n. 27 do CJF/STJ que: “Na interpretação da cláusula geral da boa­fé objetiva,<br />

<strong>de</strong>ve­se levar em conta o sistema do CC e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e<br />

fatores metajurídicos”. Um <strong>de</strong>sses estatutos normativos é justamente a Lei 8.078/1990, ou seja, <strong>de</strong>ve<br />

ser preservado o tratamento dado à boa­fé objetiva pelo CDC.<br />

Atualizando a obra, reafirme­se que a boa­fé objetiva também foi valorizada <strong>de</strong> maneira<br />

consi<strong>de</strong>rável pelo Novo Código <strong>de</strong> Processo <strong>Civil</strong>, consolidando­se na norma a boa­fé objetiva<br />

processual. Nos termos do seu art. 5.º, aquele que <strong>de</strong> qualquer forma participa do processo <strong>de</strong>ve

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!