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Manual de Direito Civil - Flávio Tartuce - 7ª Ed. - 2017

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<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong><br />

peso menor.<br />

Presente o conflito entre princípios, sem que qualquer um <strong>de</strong>les seja retirado do sistema, como<br />

terceira premissa, o aplicador do <strong>Direito</strong> <strong>de</strong>ve fazer uso da técnica <strong>de</strong> pon<strong>de</strong>ração. Em tal sopesamento,<br />

na presença da lei <strong>de</strong> colisão, os princípios são numerados por P1 e P2; C são as condições <strong>de</strong><br />

procedência <strong>de</strong> um princípio sobre o outro, enquanto T1, T2, T3 são os fatores fáticos que influenciam a<br />

colisão e a conclusão. 58 A aplicação da pon<strong>de</strong>ração nada mais é do que a solução do caso concreto <strong>de</strong><br />

acordo com a máxima da proporcionalida<strong>de</strong>. 59<br />

Encerrando, a quarta e última premissa é a <strong>de</strong> que a pesagem <strong>de</strong>ve ser fundamentada, calcada em uma<br />

argumentação jurídica com soli<strong>de</strong>z e objetivida<strong>de</strong>, para não ser arbitrária e irracional. Para tanto, <strong>de</strong>ve ser<br />

bem clara e <strong>de</strong>finida a fundamentação <strong>de</strong> enunciados <strong>de</strong> preferências em relação a <strong>de</strong>terminado valor<br />

constitucional. 60<br />

Para explicar a pon<strong>de</strong>ração, Alexy relata o caso Lebach. A emissora alemã ZDF tinha a intenção <strong>de</strong><br />

exibir documentário intitulado O assassinato <strong>de</strong> soldados em Lebach, que contava a história do<br />

assassinato <strong>de</strong> quatro soldados alemães que faziam sentinela em um <strong>de</strong>pósito, o que culminou com o<br />

roubo <strong>de</strong> munição do exército alemão, inci<strong>de</strong>nte ocorrido em 1969. Um dos con<strong>de</strong>nados pelo crime estava<br />

prestes a ser solto às vésperas da veiculação do programa televisivo, no qual era citado nominalmente.<br />

Então, ele ingressou com medida cautelar para que o programa não fosse exibido, pois haveria uma clara<br />

afronta ao seu direito fundamental à imagem. O Tribunal Estadual na Alemanha rejeitou o pedido do autor<br />

da <strong>de</strong>manda para a não exibição do documentário, o que foi confirmado pelo Tribunal Superior Estadual,<br />

diante da liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> informar e do interesse coletivo quanto ao conteúdo do documentário. 61<br />

A questão chegou até a Suprema Corte alemã, que a resolveu a partir da pon<strong>de</strong>ração <strong>de</strong> princípios<br />

constitucionais. A argumentação do julgamento foi dividida em três etapas, as quais são dispostas a<br />

seguir.<br />

Na primeira <strong>de</strong>las, foi <strong>de</strong>monstrada a colisão entre o direito à imagem ou à personalida<strong>de</strong> (P1) e a<br />

liberda<strong>de</strong> <strong>de</strong> informar (P2), dois valores constitucionalmente tutelados e <strong>de</strong> mesmo nível. A prevalência <strong>de</strong><br />

P1 levaria à proibição do programa, enquanto a prevalência <strong>de</strong> P2, à sua exibição. Na segunda etapa, o<br />

julgamento conclui inicialmente pela prevalência <strong>de</strong> P2 sobre P1, em uma relação <strong>de</strong> procedência, diante<br />

dos interesses coletivos à solução <strong>de</strong> crimes. Contudo, na terceira etapa, há a conclusão pela prevalência<br />

<strong>de</strong> P1, no sentido <strong>de</strong> que o documentário não <strong>de</strong>veria ser exibido. Dois fatores fáticos substanciais<br />

acabaram por influenciar o sopesamento: a) não haveria mais um interesse atual pela notícia do crime; b)<br />

haveria um risco para a ressocialização do autor da <strong>de</strong>manda. 62<br />

No Brasil, pon<strong>de</strong>ração similar como a <strong>de</strong>scrita no caso Lebach foi realizada pelo Tribunal <strong>de</strong> Justiça<br />

<strong>de</strong> São Paulo, em caso que envolvia a apresentadora <strong>de</strong> televisão Daniella Cicarelli, que foi flagrada em<br />

relações íntimas com o namorado em uma praia da Espanha, tendo as imagens reproduzidas no YouTube,<br />

site especializado em ví<strong>de</strong>os mantido pela Google. O Tribunal, em <strong>de</strong>manda inibitória <strong>de</strong> tutela da<br />

personalida<strong>de</strong> proposta por ambos, acabou concluindo pela não exibição das imagens, <strong>de</strong> forma <strong>de</strong>finitiva.<br />

Vejamos a ementa <strong>de</strong>sse paradigmático julgamento:<br />

“Ação inibitória fundada em violação do direito à imagem, privacida<strong>de</strong> e intimida<strong>de</strong> <strong>de</strong> pessoas<br />

fotografadas e filmadas em posições amorosas em areia e mar espanhóis. Esfera íntima que goza<br />

<strong>de</strong> proteção absoluta, ainda que um dos personagens tenha alguma notorieda<strong>de</strong>, por não se tolerar<br />

invasão <strong>de</strong> intimida<strong>de</strong>s [cenas <strong>de</strong> sexo] <strong>de</strong> artista ou apresentadora <strong>de</strong> TV. Inexistência <strong>de</strong><br />

interesse público para se manter a ofensa aos direitos individuais fundamentais (arts. 1.º, III, e<br />

5.º, V e X, da CF). Manutenção da tutela antecipada expedida no Agravo <strong>de</strong> Instrumento<br />

472.738­4 e confirmada no julgamento do Agravo <strong>de</strong> Instrumento 488.184­4/3. Provimento para<br />

fazer cessar a divulgação dos filmes e fotografias em websites, por não ter ocorrido<br />

consentimento para a publicação. Interpretação dos arts. 461 do CPC e 12 e 21 do CC,<br />

preservada a multa diária <strong>de</strong> R$ 250.000,00, para inibir transgressão ao comando <strong>de</strong> abstenção”<br />

(TJSP, Apelação Cível 556.090.4/4­00/SP, 4.ª Câmara <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Privado, Rel. Enio Zuliani, j.

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