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Manual de Direito Civil - Flávio Tartuce - 7ª Ed. - 2017

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<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong><br />

individual das pessoas naturais que a integram. Em outras palavras, há uma autonomia da pessoa jurídica<br />

em relação aos seus sócios e administradores. Em regra, os seus componentes somente respon<strong>de</strong>rão por<br />

débitos <strong>de</strong>ntro dos limites do capital social, ficando a salvo o patrimônio individual <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ndo do tipo<br />

societário adotado.<br />

A regra é <strong>de</strong> que a responsabilida<strong>de</strong> dos sócios em relação às dívidas sociais seja sempre subsidiária,<br />

ou seja, primeiro exaure­se o patrimônio da pessoa jurídica para <strong>de</strong>pois, e <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que o tipo societário<br />

adotado permita, os bens particulares dos sócios ou componentes da pessoa jurídica serem executados.<br />

Devido a essa possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exclusão da responsabilida<strong>de</strong> dos sócios ou administradores, a pessoa<br />

jurídica, por vezes, <strong>de</strong>sviou­se <strong>de</strong> seus princípios e fins, cometendo frau<strong>de</strong>s e lesando socieda<strong>de</strong> ou<br />

terceiros, provocando reações na doutrina e na jurisprudência. Visando a coibir tais abusos, surgiu a<br />

figura da teoria da <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração da personalida<strong>de</strong> jurídica, teoria do levantamento do véu ou teoria<br />

da penetração na pessoa física (“disregard of the legal entity”). Com isso se alcançam pessoas e bens<br />

que se escon<strong>de</strong>m <strong>de</strong>ntro <strong>de</strong> uma pessoa jurídica para fins ilícitos ou abusivos.<br />

Quanto à origem da teoria, aponta­se o seu surgimento na Inglaterra, no caso <strong>de</strong> litígio entre os<br />

irmãos Salomon, em 1897. 90 Aprofundando a análise histórica, Fábio Ulhoa Coelho <strong>de</strong>monstra marcos<br />

teóricos fundamentais sobre o instituto:<br />

“A teoria é uma elaboração doutrinária recente. Po<strong>de</strong>­se consi<strong>de</strong>rar Rolf Serick o seu principal<br />

sistematizador, na tese <strong>de</strong> doutorado <strong>de</strong>fendida perante a Universida<strong>de</strong> <strong>de</strong> Tübigen, em 1953. É<br />

certo que, antes <strong>de</strong>le, alguns autores já haviam se <strong>de</strong>dicado ao tema, como por exemplo, Maurice<br />

Wormser, nos anos 1910 e 1920. Mas não se encontra claramente nos estudos precursores a<br />

motivação central <strong>de</strong> Serick <strong>de</strong> buscar <strong>de</strong>finir, em especial a partir da jurisprudência norteamericana,<br />

os critérios gerais que autorizam o afastamento da autonomia das pessoas jurídicas<br />

(1950)”. 91<br />

Como se extrai <strong>de</strong> obra do último jurista, são apontados alguns julgamentos históricos como<br />

precursores da tese: como o outrora mencionado caso Salomon vs. Salomon & Co., julgado na Inglaterra<br />

em 1897, e o caso State vs. Standard Oil Co., julgado pela Corte Suprema do Estado <strong>de</strong> Ohio, Estados<br />

Unidos, em 1892. A verda<strong>de</strong> é que, a partir das teses e dos julgamentos, as premissas <strong>de</strong> penetração na<br />

pessoa jurídica, ou <strong>de</strong> levantamento do seu véu, passaram a influenciar a elaboração <strong>de</strong> normas jurídicas<br />

visando a sua regulamentação. Trata­se <strong>de</strong> mais uma festejada incidência da teoria da aparência e da<br />

vedação do abuso <strong>de</strong> direito, em se<strong>de</strong> do <strong>Direito</strong> <strong>de</strong> Empresa, ramo do <strong>Direito</strong> Privado.<br />

Tal instituto permite ao juiz não mais consi<strong>de</strong>rar os efeitos da personificação da socieda<strong>de</strong> para atingir<br />

e vincular responsabilida<strong>de</strong>s dos sócios, com intuito <strong>de</strong> impedir a consumação <strong>de</strong> frau<strong>de</strong>s e abusos por<br />

eles cometidos, <strong>de</strong>s<strong>de</strong> que causem prejuízos e danos a terceiros, principalmente a credores da empresa.<br />

Dessa forma, os bens particulares dos sócios po<strong>de</strong>m respon<strong>de</strong>r pelos danos causados a terceiros. Em<br />

suma, o véu ou escudo, no caso da pessoa jurídica, é retirado para atingir quem está atrás <strong>de</strong>le, o sócio ou<br />

administrador. Bens da empresa também po<strong>de</strong>rão respon<strong>de</strong>r por dívidas dos sócios, por meio do que se<br />

<strong>de</strong>nomina como <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração inversa ou invertida. O atual Código <strong>Civil</strong> Brasileiro acolheu tal<br />

possibilida<strong>de</strong>, prescrevendo:<br />

“Art. 50. Em caso <strong>de</strong> abuso da personalida<strong>de</strong> jurídica caracterizado pelo <strong>de</strong>svio <strong>de</strong> finalida<strong>de</strong>, ou<br />

pela confusão patrimonial, po<strong>de</strong> o Juiz <strong>de</strong>cidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público<br />

quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos <strong>de</strong> certas e <strong>de</strong>terminadas relações <strong>de</strong><br />

obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa<br />

jurídica.”<br />

Anote­se que como a <strong>de</strong>sconsi<strong>de</strong>ração da personalida<strong>de</strong> jurídica foi adotada pelo legislador da nova<br />

codificação, não é recomendável mais utilizar a expressão teoria, que constitui trabalho doutrinário,<br />

amparado pela jurisprudência.

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