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Manual de Direito Civil - Flávio Tartuce - 7ª Ed. - 2017

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<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong><br />

legítima.<br />

A título <strong>de</strong> exemplo, se o doador tem o patrimônio <strong>de</strong> R$ 100.000,00 e faz uma doação <strong>de</strong> R$<br />

70.000,00, o ato será válido até R$ 50.000,00 (parte disponível) e nulo nos R$ 20.000,00 que<br />

exce<strong>de</strong>ram a proteção da legítima. O que se percebe é que o art. 549 do CC tem como conteúdo o<br />

princípio da conservação do contrato, que é anexo à função social dos contratos, uma vez que procura<br />

preservar, <strong>de</strong>ntro do possível juridicamente, a autonomia privada manifestada na doação. O julgado do<br />

STJ a seguir é ilustrativo <strong>de</strong>ssa solução:<br />

“<strong>Civil</strong>. Doação inoficiosa. 1. A doação ao <strong>de</strong>scen<strong>de</strong>nte é consi<strong>de</strong>rada inoficiosa quando<br />

ultrapassa a parte que po<strong>de</strong>ria dispor o doador, em testamento, no momento da liberalida<strong>de</strong>. No<br />

caso, o doador possuía 50% dos imóveis, constituindo 25% a parte disponível, ou seja, <strong>de</strong><br />

livre disposição, e 25% a legítima. Este percentual é que <strong>de</strong>ve ser dividido entre os 6 (seis)<br />

her<strong>de</strong>iros, tocando a cada um 4,16%. A meta<strong>de</strong> disponível é excluída do cálculo. 2. Recurso<br />

especial não conhecido” (STJ, REsp 112.254/SP, 4.ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, j.<br />

16.11.2004, DJ 06.12.2004, p. 313).<br />

Ainda em se<strong>de</strong> <strong>de</strong> Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça, pontue­se que se tem entendido que o valor a ser<br />

apurado com o fim <strong>de</strong> se reconhecer a nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong>ve levar em conta o momento da liberalida<strong>de</strong>. Assim,<br />

“para aferir a eventual existência <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> em doação pela disposição patrimonial efetuada acima da<br />

parte <strong>de</strong> que o doador po<strong>de</strong>ria dispor em testamento, a teor do art. 1.176 do CC/1916, <strong>de</strong>ve­se<br />

consi<strong>de</strong>rar o patrimônio existente no momento da liberalida<strong>de</strong>, isto é, na data da doação, e não o<br />

patrimônio estimado no momento da abertura da sucessão do doador. O art. 1.176 do CC/1916 –<br />

correspon<strong>de</strong>nte ao art. 549 do CC/2002 – não proíbe a doação <strong>de</strong> bens, apenas a limita à meta<strong>de</strong><br />

disponível. Embora esse sistema legal possa resultar menos favorável para os her<strong>de</strong>iros necessários,<br />

aten<strong>de</strong> melhor aos interesses da socieda<strong>de</strong>, pois não <strong>de</strong>ixa inseguras as relações jurídicas, <strong>de</strong>pen<strong>de</strong>ntes<br />

<strong>de</strong> um acontecimento futuro e incerto, como o eventual empobrecimento do doador” (STJ, AR<br />

3.493/PE, Rel. Min. Massami Uyeda, j. 12.12.2012, publicado no seu Informativo n. 512).<br />

Como a questão envolve or<strong>de</strong>m pública, conclui­se que a ação <strong>de</strong>claratória <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> da parte<br />

inoficiosa – <strong>de</strong>nominada <strong>de</strong> ação <strong>de</strong> redução – não é sujeita à prescrição ou à <strong>de</strong>cadência (didaticamente,<br />

imprescritível), po<strong>de</strong>ndo ser proposta a qualquer tempo (art. 169 do CC). Por isso, não há necessida<strong>de</strong><br />

<strong>de</strong> aguardar o falecimento do doador para a sua propositura. Em outras palavras, po<strong>de</strong>rá ser proposta<br />

mesmo estando vivo o doador que instituiu a liberalida<strong>de</strong> viciada. Visando esclarecer, o Projeto <strong>de</strong> Lei<br />

699/2011 preten<strong>de</strong> acrescentar um parágrafo único ao art. 549, com o seguinte teor: “Art. 549. (…)<br />

Parágrafo único. A ação <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> po<strong>de</strong> ser intentada mesmo em vida do doador”. A proposta<br />

confirma o entendimento doutrinário atual, que po<strong>de</strong> ser invocado. 37<br />

Ainda no tocante ao prazo, surge um outro entendimento no sentido <strong>de</strong> que, pelo fato <strong>de</strong> a questão<br />

envolver direitos patrimoniais, está sujeita a prazo prescricional, que é próprio dos direitos subjetivos.<br />

Como não há prazo especial previsto, <strong>de</strong>verá ser aplicado o prazo geral <strong>de</strong> prescrição. Na vigência do<br />

CC/1916, esse prazo era <strong>de</strong> vinte anos; na vigência do CC/2002, é <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos (art. 205). A respeito da<br />

aplicação do prazo geral <strong>de</strong> prescrição, já enten<strong>de</strong>u o Superior Tribunal <strong>de</strong> Justiça (STJ, REsp<br />

259.406/PR (200000489140), 600816, Data da <strong>de</strong>cisão: 17.02.2005, 4.ª Turma, Rel. Min. Aldir<br />

Passarinho Junior, DJ 04.04.2005, p. 314).<br />

A aplicação do prazo geral <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos foi confirmada em aresto mais recente, do mesmo Tribunal<br />

da Cidadania, segundo o qual “aplica­se às pretensões <strong>de</strong>claratórias <strong>de</strong> nulida<strong>de</strong> <strong>de</strong> doações inoficiosas o<br />

prazo prescricional <strong>de</strong>cenal do CC/02, ante a inexistência <strong>de</strong> previsão legal específica. Prece<strong>de</strong>ntes”<br />

(STJ, REsp 1.321.998, 3.ª Turma, Rel. Min. Nancy Andrighi, j. 07.08.2014).<br />

Todavia, merece <strong>de</strong>staque o voto vencido do Ministro João Otávio <strong>de</strong> Noronha, seguindo o mesmo<br />

entendimento <strong>de</strong>ste autor, <strong>de</strong> imprescritibilida<strong>de</strong> da pretensão. Pon<strong>de</strong>rou o julgador que “Discute­se, em

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