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Manual de Direito Civil - Flávio Tartuce - 7ª Ed. - 2017

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<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong><br />

e para todos os fins, inclusive alimentares e sucessórios. Assim, na linha do exposto, o igualmente inédito<br />

acórdão do Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Estado <strong>de</strong> São Paulo, que <strong>de</strong>terminou o registro <strong>de</strong> madrasta como mãe civil <strong>de</strong><br />

enteado, mantendo­se a mãe biológica, que havia falecido quando do parto. A ementa da revolucionária <strong>de</strong>cisão<br />

foi assim publicada:<br />

“Maternida<strong>de</strong> socioafetiva. Preservação da Maternida<strong>de</strong> Biológica. Respeito à memória da mãe<br />

biológica, falecida em <strong>de</strong>corrência do parto, e <strong>de</strong> sua família. Enteado criado como filho <strong>de</strong>s<strong>de</strong> dois anos<br />

<strong>de</strong> ida<strong>de</strong>. Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código <strong>Civil</strong> e <strong>de</strong>corre da posse do<br />

estado <strong>de</strong> filho, fruto <strong>de</strong> longa e estável convivência, aliado ao afeto e consi<strong>de</strong>rações mútuos, e sua<br />

manifestação pública, <strong>de</strong> forma a não <strong>de</strong>ixar dúvida, a quem não conhece, <strong>de</strong> que se trata <strong>de</strong> parentes. A<br />

formação da família mo<strong>de</strong>rna não consanguínea tem sua base na afetivida<strong>de</strong> e nos princípios da<br />

dignida<strong>de</strong> da pessoa humana e da solidarieda<strong>de</strong>. Recurso provido” (TJSP, Apelação 0006422­<br />

26.2011.8.26.0286, 1.ª Câmara <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> Privado, Itu, Rel. Des. Alci<strong>de</strong>s Leopoldo e Silva Junior, j.<br />

14.08.2012).<br />

De 2014, outros três julgamentos <strong>de</strong> primeira instância merecem relevo. O primeiro foi pronunciado pela<br />

Vara da Família <strong>de</strong> Sobradinho, no Distrito Fe<strong>de</strong>ral, atribuindo dupla paternida<strong>de</strong>, para todos os fins jurídicos,<br />

tanto para o pai biológico quanto para o socioafetivo (Processo 2013.06.1.001874­5, j. 06.06.2014). A segunda<br />

sentença é da 15.ª Vara da Família da Capital do Rio <strong>de</strong> Janeiro, prolatada pela magistrada e componente do<br />

IBDFAM Maria Aglae Vilardo, tendo reconhecido o direito <strong>de</strong> três irmãos terem duas mães, a biológica e a<br />

socioafetiva, em seus registros <strong>de</strong> nascimento (fevereiro <strong>de</strong> 2014). O último julgado é da 3.ª Vara Cível <strong>de</strong><br />

Santana do Livramento, Rio Gran<strong>de</strong> do Sul, <strong>de</strong>cidindo a juíza Carine Labres que uma criança <strong>de</strong> cinco anos terá,<br />

na certidão <strong>de</strong> nascimento, o nome do pai biológico e do pai que a registrou e que com ela convive <strong>de</strong>s<strong>de</strong> o<br />

nascimento (maio <strong>de</strong> 2014).<br />

Do ano <strong>de</strong> 2015 merece relevo o acórdão prolatado pela 8.ª Câmara Cível do Tribunal <strong>de</strong> Justiça do Rio<br />

Gran<strong>de</strong> do Sul, na Apelação Cível 70062692876. O julgado reconheceu a multiparentalida<strong>de</strong> entre duas mães –<br />

que viviam em união estável e posteriormente se casaram – e o pai biológico, amigo <strong>de</strong> ambas. Conforme se<br />

extrai <strong>de</strong> sua ementa, “a ausência <strong>de</strong> lei para regência <strong>de</strong> novos – e cada vez mais ocorrentes – fatos sociais<br />

<strong>de</strong>correntes das instituições familiares não é indicador necessário <strong>de</strong> impossibilida<strong>de</strong> jurídica do pedido. É que,<br />

‘quando a lei for omissa, o juiz <strong>de</strong>cidirá o caso <strong>de</strong> acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais <strong>de</strong><br />

direito’ (artigo 4.º da Lei <strong>de</strong> Introdução ao Código <strong>Civil</strong>). (…). Dito isso, a aplicação dos princípios da<br />

‘legalida<strong>de</strong>’, ‘tipicida<strong>de</strong>’ e ‘especialida<strong>de</strong>’, que norteiam os ‘Registros Públicos’, com legislação originária préconstitucional,<br />

<strong>de</strong>ve ser relativizada, naquilo que não se compatibiliza com os princípios constitucionais vigentes,<br />

notadamente a promoção do bem <strong>de</strong> todos, sem preconceitos <strong>de</strong> sexo ou qualquer outra forma <strong>de</strong> discriminação<br />

(artigo 3.º, IV, da CF/1988), bem como a proibição <strong>de</strong> <strong>de</strong>signações discriminatórias relativas à filiação (artigo<br />

227, § 6.º, CF), ‘objetivos e princípios fundamentais’ <strong>de</strong>correntes do princípio fundamental da dignida<strong>de</strong> da<br />

pessoa humana. Da mesma forma, há que se julgar a pretensão da parte, a partir da interpretação sistemática<br />

conjunta com <strong>de</strong>mais princípios infraconstitucionais, tal como a doutrina da proteção integral o do princípio do<br />

melhor interesse do menor, informadores do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), bem como,<br />

e especialmente, em atenção do fenômeno da afetivida<strong>de</strong>, como formador <strong>de</strong> relações familiares e objeto <strong>de</strong><br />

proteção estatal, não sendo o caráter biológico o critério exclusivo na formação <strong>de</strong> vínculo familiar. Caso em que<br />

no plano fático é flagrante o ânimo <strong>de</strong> paternida<strong>de</strong> e maternida<strong>de</strong>, em conjunto, entre o casal formado pelas mães<br />

e do pai, em relação à menor, sendo <strong>de</strong> rigor o reconhecimento judicial da ‘multiparentalida<strong>de</strong>’, com a<br />

publicida<strong>de</strong> <strong>de</strong>corrente do registro público <strong>de</strong> nascimento” (Rel. Des. José Pedro <strong>de</strong> Oliveira Eckert, j.<br />

12.02.2015).<br />

Outras <strong>de</strong>cisões jurispru<strong>de</strong>nciais vinham surgindo sucessivamente. Como <strong>de</strong>stacávamos nas edições<br />

anteriores <strong>de</strong>ste livro, a multiparentalida<strong>de</strong> seria um caminho sem volta do <strong>Direito</strong> <strong>de</strong> Família Contemporâneo,<br />

consolidando­se as novas teorias e os princípios constitucionais nesse campo do pensamento jurídico. A <strong>de</strong>cisão<br />

do STF em repercussão geral é o fim do caminho. A regra passou a ser a multiparentalida<strong>de</strong>, nos casos <strong>de</strong><br />

dilemas entre a parentalida<strong>de</strong> socioafetiva e a biológica. Uma não exclui a outra, <strong>de</strong>vendo ambas conviver.<br />

Como se nota, os julgados citados anteriormente diziam respeito a situações em que havia consenso para o<br />

duplo registro. A gran<strong>de</strong> dúvida era saber se o vínculo po<strong>de</strong>ria ser imposto pelo magistrado, caso não houvesse<br />

tal acordo. Esse parecia ser o gran<strong>de</strong> <strong>de</strong>safio que envolvia a matéria.

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