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Manual de Direito Civil - Flávio Tartuce - 7ª Ed. - 2017

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<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong><br />

para aqueles que enten<strong>de</strong>m ainda tratar­se <strong>de</strong> um ente <strong>de</strong>spersonalizado.<br />

Feitas tais pon<strong>de</strong>rações, como, tema <strong>de</strong> gran<strong>de</strong> relevo cumpre <strong>de</strong>stacar que o CC/2002 per<strong>de</strong>u a<br />

oportunida<strong>de</strong> <strong>de</strong> trazer expressamente uma teoria mais avançada quanto à posse, aquela que consi<strong>de</strong>ra a<br />

sua função social, tese que tem como expoentes Raymond Saleilles, Silvio Perozzi e Antonio Hernan<strong>de</strong>z<br />

Gil. De lege ferenda, a adoção da função social da posse consta expressamente do Projeto 699/2011,<br />

pelo qual o art. 1.196 passaria a ter a seguinte redação: “Art. 1.196. Consi<strong>de</strong>ra­se possuidor todo aquele<br />

que tem po<strong>de</strong>r fático <strong>de</strong> ingerência socioeconômica, absoluto ou relativo, direto ou indireto, sobre<br />

<strong>de</strong>terminado bem da vida, que se manifesta através do exercício ou possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> exercício inerente à<br />

proprieda<strong>de</strong> ou outro direito real suscetível <strong>de</strong> posse”. Anote­se que tal proposição segue sugestão do<br />

jurista e Desembargador do Tribunal <strong>de</strong> Justiça <strong>de</strong> Santa Catarina Joel Dias Figueira Jr. São suas<br />

palavras:<br />

“Por tudo isso, per<strong>de</strong>u­se o momento histórico <strong>de</strong> corrigir um importantíssimo dispositivo que<br />

vem causando confusão entre os jurisdicionados e, como <strong>de</strong>corrência <strong>de</strong> sua aplicação<br />

incorreta, inúmeras <strong>de</strong>mandas. A<strong>de</strong>mais, o dispositivo mereceria um ajuste em face das teorias<br />

sociológicas, tendo­se em conta que foram elas, em se<strong>de</strong> possessória, que <strong>de</strong>ram origem à<br />

função social da proprieda<strong>de</strong>. Nesse sentido, vale registrar que foram as teorias sociológicas da<br />

posse, a partir do século XX, na Itália, com Silvio Perozzi; na França com Raymond Saleilles<br />

e, na Espanha, com Antonio Hernan<strong>de</strong>z Gil, que não só colocaram por terra as célebres teorias<br />

objetiva e subjetiva <strong>de</strong> Ihering e Savigny, como também se tornaram responsáveis pelo novo<br />

conceito <strong>de</strong>sses importantes institutos no mundo contemporâneo, notadamente a posse, como<br />

exteriorização da proprieda<strong>de</strong> (sua verda<strong>de</strong>ira ‘função social’)”. 17<br />

Na doutrina contemporânea, vários autores discorrem sobre a função social da posse. Merecem<br />

<strong>de</strong>staque as palavras do ex­<strong>de</strong>fensor público e atual Desembargador do TJRJ Marco Aurélio Bezerra <strong>de</strong><br />

Melo:<br />

“A <strong>de</strong>nsida<strong>de</strong> axiológica da posse, mormente em uma socieda<strong>de</strong> que oscila entre a pobreza e a<br />

miséria e que adota como mo<strong>de</strong>lo tradicional para a aquisição <strong>de</strong> bens a compra e venda e o<br />

direito hereditário, a posse <strong>de</strong>ve ser respeitada pelos operadores do direito como uma situação<br />

jurídica eficaz a permitir o acesso à utilização dos bens <strong>de</strong> raiz, fato visceralmente ligado à<br />

dignida<strong>de</strong> da pessoa humana (art. 1.º, III, da CRFB) e ao direito constitucionalmente<br />

assegurado à moradia (art. 6.º da CRFB). Importa, por assim dizer, que ao lado do direito <strong>de</strong><br />

proprieda<strong>de</strong>, se reconheça a importância social e econômica do instituto”. 18<br />

Ainda em se<strong>de</strong> doutrinária, a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> função social da posse consta <strong>de</strong> enunciado aprovado na V<br />

Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong>, <strong>de</strong> 2011, com a seguinte redação: “A posse constitui direito autônomo em<br />

relação à proprieda<strong>de</strong> e <strong>de</strong>ve expressar o aproveitamento dos bens para o alcance <strong>de</strong> interesses<br />

existenciais, econômicos e sociais merecedores <strong>de</strong> tutela” (Enunciado n. 492). A título <strong>de</strong> exemplo,<br />

po<strong>de</strong> ser citado o contrato <strong>de</strong> gaveta, em que o possuidor tem um direito autônomo à proprieda<strong>de</strong>,<br />

merecendo proteção pela utilida<strong>de</strong> positiva que dá à coisa.<br />

O tema da posse como um direito autônomo foi objeto <strong>de</strong> dissertação <strong>de</strong> mestrado <strong>de</strong>senvolvida por<br />

Marcos Alberto Rocha Gonçalves e <strong>de</strong>fendida na PUCSP. Conforme as conclusões finais do trabalho,<br />

às quais se filia, “a valorização da função social da posse representa o rompimento do formalismo<br />

individualista diante das <strong>de</strong>mandas sociais. Compreen<strong>de</strong>­se, a partir <strong>de</strong>sse mo<strong>de</strong>lo, a construção <strong>de</strong><br />

possíveis pontes entre as necessida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> uma socieda<strong>de</strong> multifacetada (e <strong>de</strong>sigual) e o caminhar rumo a<br />

um efetivo Estado <strong>de</strong>mocraticamente organizado, afastando­se da dogmática estruturada na ficção da<br />

igualda<strong>de</strong> formal. Titularida<strong>de</strong>s formais e fruição real das possibilida<strong>de</strong>s emergentes <strong>de</strong> bens que<br />

atendam às necessida<strong>de</strong>s é, ainda, um caminho a percorrer. Se historicamente o discurso jurídico

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