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Manual de Direito Civil - Flávio Tartuce - 7ª Ed. - 2017

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<strong>Manual</strong> <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong><br />

Aprofundando, é necessário discorrer a respeito do abandono do imóvel, merecendo <strong>de</strong>staque o art.<br />

1.276 do CC:<br />

“Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção <strong>de</strong> não mais o<br />

conservar em seu patrimônio, e que, se não encontrar na posse <strong>de</strong> outrem, po<strong>de</strong>rá ser<br />

arrecadado, como bem vago, e passar, três anos <strong>de</strong>pois, à proprieda<strong>de</strong> do Município ou à do<br />

Distrito Fe<strong>de</strong>ral, se se achar nas respectivas circunscrições.<br />

§ 1.º O imóvel situado na zona rural, abandonado nas mesmas circunstâncias, po<strong>de</strong>rá ser<br />

arrecadado, como bem vago, e passar, três anos <strong>de</strong>pois, à proprieda<strong>de</strong> da União, on<strong>de</strong> quer que<br />

ele se localize.<br />

§ 2.º Presumir­se­á <strong>de</strong> modo absoluto a intenção a que se refere este artigo, quando, cessados<br />

os atos <strong>de</strong> posse, <strong>de</strong>ixar o proprietário <strong>de</strong> satisfazer os ônus fiscais”.<br />

Nota­se que o caput do dispositivo consagra o abandono do imóvel urbano, que po<strong>de</strong> ser<br />

arrecadado como vago e, após três anos, passará à proprieda<strong>de</strong> do Município ou do Distrito Fe<strong>de</strong>ral<br />

on<strong>de</strong> estiver situado. A inovação é substancial, pois o prazo antes previsto para o abandono <strong>de</strong> imóvel<br />

urbano era <strong>de</strong> <strong>de</strong>z anos (art. 589 do CC/1916). Na hipótese <strong>de</strong> imóvel rural, o prazo foi mantido,<br />

passando o bem à proprieda<strong>de</strong> da União. Constate­se que o critério da localização é o norte<br />

fundamental para a <strong>de</strong>stinação final do bem imóvel abandonado.<br />

Constata­se, a<strong>de</strong>mais, que a cabeça do comando afasta a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> arrecadação se o bem<br />

estiver na posse <strong>de</strong> outrem. Conforme enunciado aprovado na VII Jornada <strong>de</strong> <strong>Direito</strong> <strong>Civil</strong>, promovida<br />

em 2015, “a posse impeditiva da arrecadação, prevista no art. 1.276 do Código <strong>Civil</strong>, é efetiva e<br />

qualificada por sua função social” (Enunciado n. 597).<br />

De fato, nos termos das suas corretas justificativas, “a arrecadação é uma modalida<strong>de</strong> <strong>de</strong> aquisição<br />

da proprieda<strong>de</strong> pelo Po<strong>de</strong>r Público em razão <strong>de</strong> abandono do imóvel por seu titular, portanto, uma<br />

atuação em benefício da socieda<strong>de</strong>, com tom <strong>de</strong> punição ao proprietário moroso no cumprimento da<br />

função social da proprieda<strong>de</strong> imobiliária. Presente, portanto, na arrecadação, o interesse público. No<br />

entanto, o legislador resolveu impedir a <strong>de</strong>flagração do procedimento <strong>de</strong> arrecadação na hipótese <strong>de</strong> o<br />

imóvel se encontrar na posse <strong>de</strong> outrem. Evi<strong>de</strong>nte que o legislador se refere a alguém que esteja dando<br />

efetiva utilização ao imóvel por meio da moradia, cultivo ou <strong>de</strong>senvolvimento <strong>de</strong> ativida<strong>de</strong> <strong>de</strong> interesse<br />

social e econômico, e que por óbvio não tenha relação jurídica com o proprietário, posto que, se tiver, o<br />

imóvel não estará em estado <strong>de</strong> abandono. Essa posse <strong>de</strong> outrem não po<strong>de</strong> ser a posse simples, aquela<br />

resultante, por exemplo, da circunstância <strong>de</strong> ter cercado o imóvel, ter impedido que outros o<br />

invadissem, tamanha a importância dada pelo legislador <strong>de</strong> proteção daquele que a está exercendo.<br />

Certamente que se refere à posse­trabalho ou posse­moradia referida por Miguel Reale lastreada no<br />

princípio da socialida<strong>de</strong>, diversa da posse resultante dos ‘critérios formalistas da tradição romanista, a<br />

qual não distingue a posse simples, ou improdutiva, da posse acompanhada <strong>de</strong> obras e serviços<br />

realizados nos bens possuídos’ (O Projeto do Novo Código <strong>Civil</strong>, 2. ed., SP, Saraiva, 1999, p. 33)”.<br />

Mas a principal inovação, tão criticada e comentada, consta do § 2.º do comando, ao consagrar a<br />

presunção absoluta do abandono <strong>de</strong> imóvel (iure et <strong>de</strong> iure), no caso <strong>de</strong> não pagamento dos ônus fiscais<br />

pelos citados três anos, caso do IPTU, a título <strong>de</strong> exemplo. Há quem veja flagrante<br />

inconstitucionalida<strong>de</strong> no último dispositivo, caso do Professor Titular da USP Carlos Alberto Dabus<br />

Maluf:<br />

“É <strong>de</strong> causar espécie a possibilida<strong>de</strong> <strong>de</strong> ser consi<strong>de</strong>rado abandonado o imóvel cujo proprietário<br />

não venha pagando os impostos sobre ele <strong>de</strong>vidos, uma vez que a inadimplência po<strong>de</strong> ter como<br />

causa, inclusive, a discussão, administrativa ou judicial, dos valores lançados, ou mesmo<br />

motivos <strong>de</strong> força maior, sendo tal possibilida<strong>de</strong> um autêntico confisco, vedado pela CF/1988,<br />

que assegura, também, o direito <strong>de</strong> proprieda<strong>de</strong> maculado por essa hipótese”. 92

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